Uma abordagem multidisciplinar

Câncer de cabeça e pescoço: uma abordagem multidisciplinar

A importância do atendimento integral e interdisciplinar dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço

Escrito por: Guilherme Trafani Sanches, Msc, Dentista Estomatologista (CRO-SP: 102250)

O câncer de cabeça e pescoço constitui um grupo de neoplasias malignas que afeta o trato aerodigestivo superior. Essas neoplasias são diferentes em relação a patogênese, biologia tumoral, prognóstico e impacto na qualidade de vida dos pacientes. A sobrevida global dos pacientes tem permanecido cerca de 50% por décadas e a mortalidade tem sido associada à recorrência, bem como ao diagnóstico tardio. Assim, o diagnóstico precoce detém papel fundamental ao melhor prognóstico e evolução clínica dos pacientes.1,2

O câncer de cabeça e pescoço se origina de diferentes estruturas anatômicas, como ossos craniofaciais, tecidos moles, glândulas salivares, pele e membranas mucosas. Mais de 90% dos casos são considerados carcinomas epidermoides. O termo “câncer de cabeça e pescoço” é geralmente usado para se descrever todos os carcinomas provenientes do revestimento epitelial do trato sinonasal, cavidade oral, faringe e laringe, os quais demonstram evidência microscópica de diferenciação epidermoide. A maioria das neoplasias malignas de cabeça e pescoço é derivada do epitélio da mucosa da cavidade oral, laringe e faringe. Quando acometem a cavidade oral e a laringe, essas neoplasias são comumente relacionadas ao tabagismo e ao alcoolismo.3,4

O carcinoma epidermoide oral é o tipo de câncer mais comum na região de cabeça e pescoço. Para o diagnóstico dessa doença, é importante o papel do cirurgião dentista estomatologista, que realiza um procedimento cirúrgico denominado biópsia incisional, no qual se remove parcialmente a lesão a ser investigada em exame microscópico. Após o diagnóstico de carcinoma epidermoide oral, o paciente é encaminhado à equipe de oncologia para avaliação do melhor tratamento a ser instituído.5

O tratamento do paciente com câncer de cabeça e pescoço deve ser caracterizado pela multidisciplinariedade. O diálogo entre os membros da equipe oncológica é necessário, a fim de que um tratamento apropriado possa ser instituído. Essa cooperação implica em avanços não somente no diagnóstico da doença, mas também no tratamento, no seguimento e na qualidade de vida dos pacientes. Diferentes especialidades estão diretamente relacionadas à assistência do paciente, como a cirurgia oncológica, radioterapia, oncologia clínica, patologia, enfermagem, nutrição e fonoaudiologia.2,6

A abordagem terapêutica do paciente com câncer de cabeça e pescoço é desafiadora, motivo pelo qual os médicos oncologistas são de extrema importância ao eleger as melhores terapias para cada perfil de paciente. O oncologista se atenta aos possíveis efeitos adversos do tratamento, uma vez que o tratamento prolongado pode causar defeitos funcionais importantes, ao passo que a terapia aquém da necessidade do paciente pode resultar na recorrência da doença. A qualidade de vida dos pacientes é afetada pelas modalidades terapêuticas vigentes, representadas pela radioterapia, quimioterapia ou a combinação de ambas.7,8

Na jornada do paciente, o enfermeiro tem um papel essencial no direcionamento do paciente, facilitando seu caminho e cuidando do seu manejo clínico. Muitos pacientes apresentam dificuldade de comunicação, alimentação e respiração, além do aspecto emocional; neste sentido, a atuação da enfermagem contribui para obtenção da melhor condição de saúde.2

A radioterapia convencional e a quimioterapia contribuem de forma significativa para o aparecimento de distintas morbidades orais, consideradas efeitos colaterais desses tratamentos. Consideram-se esses efeitos colaterais como agudos ou crônicos. Mucosite, disfagia e disgeusia são consideradas efeitos agudos, ao passo que o trismo, a xerostomia e a osteorradionecrose são referidos como efeitos tardios.9,10

Deve-se incluir o cirurgião dentista na abordagem multidisciplinar dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço, uma vez que a radioterapia, bem como a quimioterapia, afeta a saúde bucal dos pacientes. Antes do início do tratamento, um minucioso exame bucal deve ser realizado, a fim de que sejam estabelecidos protocolos para o manejo das necessidades odontológicas presentes e exista a prevenção ou atenuação das complicações orais decorrentes do tratamento. A atuação do cirurgião dentista deve existir antes, durante e após a radioterapia ou quimioterapia.6,11

A maioria dos pacientes submetidos ao tratamento do câncer de cabeça e pescoço precisa de um acompanhamento com fonoaudiólogo, uma vez que o tratamento oncológico pode trazer comprometimento à voz, fala e alimentação. Com a reabilitação fonoaudiológica, os pacientes podem recuperar a sua comunicação e a segurança ao se alimentar. Vale também destacar que uma nutrição inadequada e a perda de peso podem resultar no aparecimento de infecções secundárias, fraqueza muscular, piora da resposta à quimioterapia e à radioterapia, e piora da qualidade de vida. Assim, é importante a presença de um nutricionista na equipe de assistência ao paciente oncológico, e esse profissional deve propiciar uma atenção ininterrupta ao paciente em qualquer fase do tratamento.12

É importante mencionar, também, a importância do suporte psicológico ao paciente com câncer de cabeça e pescoço, o qual pode ter ansiedade e depressão. Os cuidadores e profissionais da área de psicologia são importantes em todo o período de tratamento desses pacientes e devem compor a equipe multidisciplinar de assistência a esses pacientes.13

Referências bibliográficas

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