Rotavírus – População de risco e alergia alimentar

Desde 2006, uma história de vitória começou a ser escrita no mundo com a redução de hos-pitalização e mortalidade de crianças de baixa idade, em especial nos lactentes, em mais de 100 países que implementaram a vacinação contra o rotavírus.1
A diarreia infecciosa é uma doença comum na infância. Estima-se que seja responsável por mais de 1,3 milhão de mortes por ano, predomi-nantemente em países deficitários de recursos. Em nações ricas, causa morbidade significativa, impactos negativos na saúde e custos associa-dos. Em ambos os cenários, o principal agente comum é o rotavírus.2
“No Brasil (…) estimou-se que o rotavírus tenha sido responsável por 3.525.053 casos de diarreia, 655.853 consul tas, 92.453 hospitalizações e 850 óbitos por ano em crianças com menos de 5 anos de idade”.4
Dados mundiais anteriores a 2006 estimaram que aos 5 anos de idade quase todas as crian-ças tiveram um episódio de gastroenterite por rotavírus, uma em cada cinco necessitou de con-sulta médica, uma em cada 65 foi hospitalizada e aproximadamente uma em cada 293 veio a óbito pelo agente infeccioso. Esses números foram pio-res em crianças nos países mais pobres, pois o rotavírus foi responsável por 82% das mortes nes-ses locais.3 No Brasil, nesse mesmo período, esti-mou-se que o rotavírus tenha sido responsável por 3.525.053 casos de diarreia, 655.853 consul-tas, 92.453 hospitalizações e 850 óbitos por ano em crianças com menos de 5 anos de idade.4
A alta incidência da doença ocasionada pelo rotavírus ressaltou a necessidade urgente de intervenções, como vacinas, principalmente para prevenir mortes infantis em países em desenvolvimento.5
“A alta incidência da doença ocasionada pelo rotavírus ressaltou a necessidade urgente de intervenções, como vacinas, principalmente para prevenir mortes infantis em países em desenvolvimento.”5
Em 2006 o Programa Nacional de Imunizações (PNI) introduziu uma vacina monovalente que reduziu substancialmente a morbimortalidade da doença pelo rotavírus no país.5
Antes da vacinação em massa, uma revisão que analisou os genótipos virais circulantes no Brasil, entre 1986 a 2006, mostrou que o G1P[8] foi o mais frequente (43%), seguido pelo genótipo G9P[8] (22%) e pelo G2P[4] (7%) (Figura 1).6
Devido à variação na distribuição regional e global dos sorotipos de rotavírus e à implementa-ção de um programa de imunização em massa, tor-na-se essencial a manutenção do monitoramento de genótipos circulantes como uma ferramenta importante para acompanhar o cenário epide-miológico e o impacto das vacinas.6 Publicação mais recente, avaliando os anos de 2018 e 2019, em amostras de laboratórios obtidas de crianças e adultos de 11 estados com serviço de vigilância sentinela atendidos pelo Laboratório Regional de Referência de Rotavírus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentou uma mudança na cir-culação dos genótipos virais no país, em que o genótipo G3P[8] foi o mais prevalente durante os dois anos com 83,7% dos casos em 2018 e 65,5% em 2019 (Figura 2).7

Adaptada de Gurgel et al., 2008.6 – Figura 1. Genótipos/sorotipos de rotavírus no Brasil (1986-2006).


Adaptada de Gutierrez et al., 2020.7 – Figura 2. Genótipos de rotavírus no Brasil em 2018 (A) e em 2019 (B). Circulação bimensal dos genótipos durante os dois anos de estudo (C).
No Brasil, observa-se uma circulação de rotavírus o ano todo, sem sazonalidade marcante. Mas altas taxas de sua detecção foram obser-vadas durante o inverno e a primavera. A maior taxa de detecção do rotavírus foi observada em setembro de 2019 (36,7%), em linha com achados observados ao longo de um período de 21 anos no Brasil. Observaram-se picos de infecções por rotavírus no inverno e na primavera (21 de junho a 20 de dezembro) nos estados do Sul (Rio Grande do Sul e Santa Catarina) em comparação com as regiões Sudeste e Nordeste do Brasil.7
“Desde 2016 o país enfrenta uma queda nas coberturas de vacinação, e com a vacinação infantil contra o rotavírus os dados preocupantes não seriam diferentes.”8
Desde 2016 o país enfrenta uma queda nas coberturas de vacinação, e com a vacinação infantil contra o rotavírus os dados preocupantes não seriam diferentes. Com uma meta de 90%, a cobertura vacinal não tem conseguido superar os 70% de lactentes protegidos com esquema com-pleto (Figura 3).8
A pandemia do coronavírus impôs mais dificuldade sobre esse tema, além de trazer dúvidas a respeito dos genótipos de rotavírus que poderão circular e sobre qual será o real impacto da doença no grupo infantil que esteve isolado por quase dois anos, período em que alguns lactentes até mesmo perderam a opor-tunidade de se vacinar.9

Adaptada de Our World Data, 2020.8 – Figura 3. Cobertura vacinal contra o rotavírus com esquema completo (2020).
Apesar da facilidade de administração por via oral, é essencial que os pediatras estejam aten-tos para que seus pacientes não percam a opor-tunidade da vacinação contra o rotavírus, que é a única vacina do calendário infantil que possui prazos estritos para seu início e sua completude (Tabela 1).10
As vacinas contra o rotavírus possuem per-fil de segurança bem estabelecido, com even-tos adversos mais comuns e autolimitados, tais como irritabilidade, febre, vômitos e diarreia — o que também pode ser atribuído às vacinas que são aplicadas simultaneamente na criança. Entretanto, são frequentes os questionamentos de médicos sobre a utilização da vacina por crianças com quadros de alergia alimentar, em particular aquelas com diagnóstico ou suspeita de alergia às proteínas do leite de vaca.11

Tabela 1. Recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) — 2021/2022.10
Não há estudos publicados que demonstrem aumento ou desencadeamento de alergia às proteínas do leite de vaca em crianças vacina-das contra o rotavírus. Lactentes que apresentem quadro de alergia às proteínas do leite de vaca com doença diarreica moderada ou grave ou vômitos devem ter a aplicação da vacina adiada até a recuperação geral.11
A vacina pode, raramente, causar sangue nas fezes (hematoquezia) pela hiperplasia nodular linfoide, resultante de colite crônica inespecífica.11
A rigor, a doença causada pelo rotavírus his-toricamente nunca esteve associada à alergia às proteínas do leite de vaca, mas eventualmente houve relatos de casos de diarreia prolongada em algumas crianças em que o rotavírus causou extensa destruição das vilosidades intestinais, com redução da atividade da lactase, o que vol-tou à normalidade depois da recuperação do epitélio intestinal.1
“Ambas as vacinas são compostas por vírus vivo atenuado, incapazes de causar doença, não havendo relação com o desenvolvimento de alergia às proteínas do leite de vaca”11
Ambas as vacinas são compostas por vírus vivo atenuado, incapazes de causar doença, não havendo relação com o desenvolvimento de aler-gia às proteínas do leite de vaca. Por outro lado, nos últimos dez anos, a ampliação do conheci-mento e o uso de exames diagnósticos para aler-gia às proteínas do leite de vaca têm contribuído para maior número de casos suspeitos e diagnosti-cados. Além disso, a idade em que a vacina é rea-lizada coincide com a idade de maior diagnóstico da alergia às proteínas do leite de vaca, podendo aí haver forte coincidência temporal de fatores envolvidos, associados ao fato de que as alergias alimentares estão aumentando em número, mesmo antes da introdução da vacina no PNI.11
Por fim, sensibilizar os responsáveis das crianças sobre a importância da prevenção por doenças prevenidas por vacinação, além de ser fator importante na conversão da recomenda-ção médica para a atitude de vacinação, redu-zirá impactos negativos, individuais e sociais, na saúde global em um cenário epidemiológico extremamente desafiador pós-pandêmico.11

Dra. Melissa Palmieri
CRM-SP 100.979
Pediatra Especialista em Infectologia pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em Vigilância em Saúde pelo Ministério da Saúde, em Administração Hospitalar e Serviços de Saúde pela Fundação Getulio Vargas; Médica da Vigilância Epidemiológica na Coordenação de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo; Diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Regional São Paulo; Membro dos Departamentos de Imunizações e Infectologia Pediátrica da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP); Membro da Câmara Temática de Imunizações do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)
REFERÊNCIAS
- Burnett E, Parashar UD, Tate JE. Real-world effectiveness of rotavirus vaccines, 2006-19: a literature review and meta-analysis. Lancet Glob Health. 2020;8(9):e1195-202.
- Marlow RD, Finn A. The promise of immunization against rotavirus. Arch Dis Child. 2012;97(8):736-40.
- Parashar UD, Hummelman EG, Bresee JS, Miller MA, Glass RI. Global illness and deaths caused by rotavirus disease in children. Emerg Infect Dis. 2003;9(5):565-72.
- Sartori AM, Valentim J, de Soárez PC, Novaes HM. Rotavirus morbidity and mortality in children in Brazil. Rev Panam Salud Publica. 2008;23(2):92-100.
- do Carmo GM, Yen C, Cortes J, Siqueira AA, de Oliveira WK, Cortez-Escalante JJ, et al. Decline in diarrhea mortality and admissions after routine childhood rotavirus immunization in Brazil: a time-series analysis. PLoS Med. 2011;8(4):e1001024.
- Gurgel RQ, Cunliffe NA, Nakagomi O, Cuevas LE. Rotavirus genotypes circulating in Brazil before national rotavirus vaccination: a review. J Clin Virol. 2008;43(1):1-8.
- Gutierrez MB, Fialho AM, Maranhão AG, Malta FC, Andrade JDSR, Assis RMS, et al. Rotavirus A in Brazil: Molecular Epidemiology and Surveillance during 2018-2019. Pathogens. 2020;9(7):515.
- Our World Data. Share of one-year-olds vaccinated against rotavirus, 2020. Disponível em: https://ourworldindata.org/grapher/share-of-one-year-olds-who-received-the-rotavirus-vaccine. Acesso em: maio 2022.
- Moura C, Truche P, Sousa Salgado L, Meireles T, Santana V, Buda A, et al. The impact of COVID-19 on routine pediatric vaccination delivery in Brazil. Vaccine. 2022;40(15):2292-8.
- Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Calendário de Vacinação SBIm — Criança. Recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) — 2021/2022. Disponível em: https://sbim.org.br/images/calendarios/calend-sbim-crianca.pdf. Acesso em: maio 2022.
- Kfour RA, Cunha J, Sarinho EC, Solé D, da Fonseca Lima EJ, Cocco RR, et al. Vacina rotavírus: segurança e alergia alimentar-Posicionamento das Sociedades Brasileiras de Alergia e Imunologia (ASBAI), Imunizações (SBIm) e Pediatria (SBP). Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia. 2017;1(1):49-54.
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