O câncer de colo do útero pode afetar a fertilidade?

Câncer de colo de útero pode afetar a fertilidade?

Profa. Dra. Marise Samama
CRM-SP 73.050 | RQE 32.227 (Ginecologia e Obstetrícia),
RQE 322.271 (Áreas de atuação: Reprodução Assistida)

Profa. Dra. Marise Samama

Profa. Dra. Marise Samama

CRM-SP 73.050 | RQE 32.227 (Ginecologia e Obstetrícia),
RQE 322.271 (Áreas de atuação: Reprodução Assistida)

Doutora pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP) e
Universidade de Paris – França.
Especialista em Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia – Associação Brasileira de Patologia do
Trato Genital Inferior e Colposcopia (ABPTGIC).
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia com Habilitação em Reprodução Assistida – Federação Brasileira
das Associações de Ginecologia e Obstetrícia/Conselho Regional de Medicina (FEBRASGO-CRM).

O CÂNCER DE COLO DE ÚTERO PODE AFETAR A FERTILIDADE?

O câncer é a segunda causa de morte no mundo e perde apenas para as doenças cardiovasculares.1 Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), de 2023 a 2025 serão diagnosticados 704 mil novos casos de câncer no Brasil.2 Nas últimas três décadas houve aumento de aproximadamente 80% no diagnóstico do câncer em pacientes mais jovens.3 Considerando a faixa etária de 15 a 39 anos de idade, estima-se que ocorram aproximadamente 1 milhão de novos casos de câncer no mundo todo,4 afetando indivíduos em idade reprodutiva. Sem considerar os tumores de pele não melanoma, os tipos de câncer mais frequentes no Brasil são o de mama feminino, com estimativa de cerca de 73 mil novos casos entre 2023 e 2025, e o de próstata, com número estimado de 71 mil novos casos entre 2023 e 2025.5 O de colo do útero é o terceiro tipo de câncer mais incidente entre mulheres.5,6 O número estimado de novos casos dessa doença no Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 17.010 e corresponde ao risco estimado de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres.6 Os estádios do câncer de colo de útero estão representados na figura 1.

Célula cancerosa no momento em que se divide
Estádios do câncer de cervical

Essa elevação do número de casos de câncer se deve à mudança no estilo da vida moderna, que se caracteriza por aspectos como sedentarismo, aumento do consumo de bebidas alcoólicas, tabagismo, consumo de alimentos industrializados e obesidade, e a algumas infecções que podem elevar o risco de câncer, como as provocadas pelo papilomavírus humano (HPV), responsável por aproximadamente 99% dos casos de câncer de colo uterino, pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), além do uso de contraceptivo hormonal e outras condições imunossupressoras e multiparidade.8,9 Disbioses e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como a causada por clamídia, também são cofatores da infecção pelo HPV, já que desregulam o sistema imunológico e favorecem a instabilidade genética na célula cervical, de modo a facilitar o desenvolvimento da neoplasia intraepitelial cervical (NIC).10,11 O HPV é um DNA vírus com mais de 200 subtipos. Sua transmissão ocorre na maioria das vezes até os 26 anos de idade. Pode ser assintomático ou evoluir para lesões intraepiteliais de baixo e alto grau, até o câncer cervical propriamente dito. É importante ressaltar que, com o avanço da tecnologia para diagnóstico precoce e tratamento, muitas pacientes que antes obtinham diagnóstico tardio, selando negativamente o futuro reprodutivo, podem agora desejar engravidar após o tratamento.12 “Além da doença, o tratamento do câncer pode afetar a fertilidade de forma transitória ou permanente. O tipo de tratamento dependerá do tipo do tumor, do estadiamento e do estado geral do indivíduo.13

Segundo a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), o tratamento das lesões de alto risco é a conização.

No caso de câncer cervical em mulheres sem prole constituída que desejam preservar a fertilidade, em estádio inicial IA1, preconiza-se a conização associada à avaliação do linfonodo sentinela; para IA1 com invasão linfovascular ou IA2, o tratamento é a traquelectomia radical, e, em alguns casos de IB1 e IB2, traquelectomia radical com linfadenectomia.13

Em estádios mais avançados, a cirurgia radical poderá ser indicada, sem possibilidade de preservar útero nem ovários.13

A radioterapia também poderá ser indicada. Esses tratamentos de estádios iniciais podem levar à estenose ou à insuficiência do canal endocervical e assim aumentar a morbidade obstétrica, com “maior incidência de aborto e trabalho de parto prematuro.13 Tratamentos que necessitam de radioterapia podem trazer dano aos ovários, assim como “a quimioterapia pode comprometer a reserva ovariana e levar à infertilidade.14

Na parte masculina, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1 em cada 5 homens tem 1 ou mais tipos de HPV de alto risco, o que pode levar a câncer de pênis, ânus, boca e orofaringe.15

Do ponto de vista reprodutivo, foi observado em estudos recentes “que mulheres infectadas com HPV têm cerca de 1,4 vez mais risco de infertilidade do que as não infectadas,16 um achado ainda controverso em diferentes estudos. Outro aspecto analisado é o fato de que o vírus infecta endométrio e células da granulosa e pode afetar o desenvolvimento in vitro dos embriões, porém ainda sem comprovação sobre o efeito na taxa de nascidos vivos.17 Também foi demonstrado que “homens inférteis têm maior prevalência de infecção por HPV no sêmen,” o que pode comprometer a qualidade seminal e a função reprodutiva, com maior incidência de aborto espontâneo.17-20

Atualmente, do ponto de vista oncológico, o “câncer de colo do útero é considerado passível de erradicação, por meio da vacinação contra os tipos de HPV oncogênicos mais prevalentes e do rastreamento e tratamento das lesões precursoras.21,22 Em dezembro de 2022, a estratégia global proposta pela OMS para acelerar a eliminação da doença como problema de saúde pública incluiu a seguinte meta, que deve ser alcançada até 2030: 90% das meninas totalmente vacinadas contra HPV aos 15 anos de idade.21,22

Para concluir, ao considerar os efeitos oncológicos8 e reprodutivos18 da infecção pelo HPV no trato reprodutivo de homens e mulheres, a vacinação é uma das melhores estratégias, somada a campanhas de prevenção de ISTs e ao uso de preservativos,18 além do rastreio adequado e tratamento precoce.9

Referências bibliográficas:

1. Nagai H, Kim YH. Cancer prevention from the perspective of global cancer burden patterns. J Thorac Dis. 2017 Mar;9(3):448-451. 2. Santos MCO, Lima FCS, Martins LFL, Oliveira JFP, Almeida LZ, Cancela MC. Estimativa de incidência de câncer no Brasil, 2023-2025. Rev Bras Cancerol. 2023;69(1):e-213700. 3. Zhao J, Xu L, Sun J, Song M, Wang L, Yuan S, et al. Global trends in incidence, death, burden and risk factors of early-onset cancer from 1990 to 2019. BMJ Oncol. 2023;2:e000049. 4. Barr RD, Ferrari A, Ries L, Whelan J, Bleyer WA. Cancer in Adolescents and Young Adults: A Narrative Review of the Current Status and a View of the Future. JAMA Pediatr. 2016 May 1;170(5):495-501. 5. Instituto Nacional de Câncer – INCA. Síntese de Resultados e Comentários: Câncer do colo do útero [acesso em 25 out 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros/estimativa/sintese-de-resultados-e-comentarios. 6. Instituto Nacional de Câncer – INCA. DADOS E NÚMEROS SOBRECÂNCER DO COLO DO ÚTERO Relatório Anual 2022 [acesso em 25 out 2023]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//dados_e_numeros_colo_22marco2023.pdf. 7. Schubert M, Bauerschlag DO, Muallem MZ, Maass N, Alkatout I. Challenges in the Diagnosis and Individualized Treatment of Cervical Cancer. Medicina. 2023; 59(5):925. 8. World Health Organization – WHO. World cancer report. 2020 [acesso em 31 out 2023]. Disponível em: https://www.iccp-portal.org/system/files/resources/IARC%20World%20Cancer%20Report%202020.pdf. 9. World Health Organization – WHO. Cervical cancer. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/cervical-cancer#tab=tab_1. 10. Kumari S, Bohr VM. Association of cervicovaginal dysbiosis mediated HPV infection with cervical intraepithelial neoplasia. Microb Pathog. 2021:152:104780. 11. Samama M, Bassalobre DFH, Piscopo RCCP. Vulvovaginites, endometrites e salpingites: desafios no diagnóstico e conduta. Programa de Atualização em Ginecologia e Obstetrícia 2022. 2022;18(4). 12. Oliveira BM. Evolução das lesões precursoras do câncer do colo do útero e sua relação com os tipos virais de HPV. Rio de Janeiro. Monografia [Educação Profissional Técnica de Nível Médio em Citopatologia] – Instituto Nacional de Câncer; 2019. 13. Wang Y, Chen Y, Wang M, Qin Z, Zhang L, Zheng A, et al. Oncological and reproductive outcomes of conization combined with pelvic node evaluation in patients with early-stage cervical cancer: a systematic review and meta-analysis. Front Oncol. 2023:13:1251453. 14. Kim S, Kim SW, Han SJ, Lee S, Park HT, Song JY, et al. Molecular mechanism and prevention of chemotherapy- and radiotherapy-induced ovarian damage. Int J Mol Sci. 2021;22(14):7484. 15. Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS. OMS divulga estimativas globais de HPV genital entre homens [acesso em 25 out 2023]. Disponível: https://www.paho.org/pt/noticias/24-8-2023-oms-divulga-estimativas-globais-hpv-genital-entre-homens. 16. Hsu L-C, Tsui K-H, Wei JC-C, Yip H-T, Hung Y-M, et al. Female human papillomavirus infection associated with increased risk of infertility: a nationwide population-based cohort study. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(18):6505. 17. Zullo F, Fiano V, Gillio-Tos A, Leoncini S, Nesi G, Macrì L, Preti M, et al. Human papillomavirus infection in women undergoing in-vitro fertilization: effects on embryo development kinetics and live birth rate. Reprod Biol Endocrinol. 2023;21(1):39. 18. ESHRE Guideline Group on Viral infection/disease. ESHRE guideline: medically assisted reproduction in patients with a viral infection/disease. Human Reproduction Open. 2021;2021(4):hoab037. 19. Tramontano L, Sciorio R, Bellaminutti S, Esteves SC, Petignat P. Exploring the potential impact of human papillomavirus on infertility and assisted reproductive technology outcomes. Reprod Biol. 2023;23(2):100753. 20. Busnelli A, Garolla A, Tersigni C, Parodi V, Inversetti A, Levi-Setti PE, et al. Sperm human papillomavirus infection and risk of idiopathic recurrent pregnancy loss: insights from a multicenter case-control study. Fertil Steril. 2023;119(3):410-8. 21. Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS. Vacina contra o Vírus do Papiloma Humano (HPV) [acesso em 25 out 2023]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/vacina-contra-virus-do-papiloma-humano-hpv. 22. Ministéro da Saúde – Brasil. Dose única da vacina contra HPV pode ser saída para aumentar a cobertura vacinal [acesso em 25 out 2023]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/dose-unica-da-vacina-contra-hpv-pode-ser-saida-para-aumentar-a-cobertura-vacinal/#:~:text=Em%20dezembro%20de%202022%2C%20a

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