Guia prático – Prevenção do câncer de colo do útero

Prof. Dr. Valentino Antônio Magno
CRM-RS 25.799
Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);
Membro da Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)

O câncer de colo do útero é a quarta neoplasia maligna mais frequente em mulheres no mundo. No Brasil, é o terceiro tumor maligno mais comum em mulheres (excluído o câncer de pele não melanoma).1 O papilomavírus humano (HPV) é o responsável pelas lesões pré-invasoras e invasoras do colo do útero, além dos condilomas. Essa é a infecção de transmissão sexual mais frequente no mundo, sendo sua prevalência maior em adolescentes, porém pode acometer homens e mulheres adultos em todas as faixas etárias. A infecção persistente de um HPV oncogênico é o principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer cervical.1-4

Em agosto de 2020, foi aprovada uma resolução que adota uma estratégia global a fim de acelerar a eliminação do câncer de colo do útero, acabando com o sofrimento desnecessário de um câncer que pode ser prevenido e tratado. As metas principais da campanha, idealizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), são que, até 2030, 90% das adolescentes sejam vacinadas contra o HPV até os 15 anos de idade; 70% sejam rastreadas e diagnosticadas para lesões precursoras; e 90% das mulheres doentes sejam tratadas adequadamente.5

Rastreamento

O controle do câncer de colo do útero constitui um problema de saúde pública. O diagnóstico e tratamento das lesões precursoras evitam a progressão para doença invasora, reduzindo sua incidência e mortalidade. Enquanto a vacinação contra o HPV apresenta-se como método de prevenção primária, a detecção precoce das lesões através de exames de rastreamento constitui-se na principal forma de prevenção secundária.6

As estratégias de rastreamento variam entre os países. No Brasil, segundo orientações do Ministério da Saúde, o rastreamento através da citologia oncótica é recomendado para mulheres de 25 a 64 anos de idade que já iniciaram atividade sexual. O início do rastreamento é independente da idade da sexarca. Após dois exames negativos com intervalo de um ano, recomenda-se repetição trienal do exame. Em pacientes imunossuprimidas, o exame deve ser realizado após o início da atividade sexual, com intervalo semestral no primeiro ano e após, mantido anualmente.6

A citologia cervical (convencional ou em base líquida) e os testes de pesquisa de DNA-HPV são os principais métodos utilizados. Na rede pública, utiliza-se a citologia convencional. O manejo específico para cada alteração encontrada está disponível nos fluxogramas no site do Ministério da Saúde.6

Em diversos países desenvolvidos, o rastreamento vem sendo feito por meio da detecção do vírus HPV e não mais com a citologia. É um método que apresenta menor especificidade, porém tem alto valor preditivo negativo. Entre os testes específicos disponíveis podemos citar: captura híbrida e a reação em cadeia de polimerase (PCR, do inglês polimerase chain reaction).7,8

Em 2018, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) propôs estratégias complementares às Diretrizes Brasileiras do Ministério da Saúde para o rastreio do câncer de colo de útero, contemplando a utilização dos testes de biologia molecular quando disponível (Figura 1).9

“Atualmente, sabemos que a vacinação é a principal forma de prevenção primária do carcinoma de colo do útero. A cobertura vacinal, no entanto, ainda é um desafio, principalmente em países subdesenvolvidos5,10,11

Vacina contra o HPV

Atualmente, sabemos que a vacinação é a principal forma de prevenção primária do carcinoma de colo do útero. A cobertura vacinal, no entanto, ainda é um desafio, principalmente em países subdesenvolvidos. As vacinas disponíveis atualmente são feitas de partículas semelhantes ao capsídeo viral inativadas e, portanto, não causam doença. São vacinas extremamente seguras. As contraindicações são raras, e os efeitos adversos mais comumente relatados foram reações locais.5,10,11

Estratégias complementares para o rastreio do câncer de colo de útero.

Adaptada de Speck et al., 2018.9
Figura 1. Estratégias complementares para o rastreio do câncer de colo de útero.

Em 2014, a vacina quadrivalente entrou para o calendário vacinal das meninas, através do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Em 2017, os meninos foram incluídos no plano. Para imunossuprimidos, a vacina está disponível para mulheres e homens de 9 a 45 anos de idade, em três doses (zero, dois e seis meses).12,13

Não há contraindicação para a vacinação de mulheres e homens adultos, inclusive com inúmeros benefícios comprovados. Os dados estão disponíveis em recomendação da Febrasgo, salientando a importância da vacinação dos adultos, além dos adolescentes.14

No início de 2023, entrou no mercado privado brasileiro a vacina GARDASIL® 9, a qual adicionou cobertura aos subtipos de alto grau 31, 33, 45, 52 e 58, além dos contidos na vacina quadrivalente. O objetivo é ampliar ainda mais a cobertura vacinal contra os subtipos causadores de doença (Tabela 1).15

“Os estudos atuais demonstram que, mesmo pacientes que já foram expostos ao HPV, ou que apresentaram lesão, se beneficiam da vacinação15

A posologia da vacina contra nove tipos é semelhante à anterior e, em bula, está aprovada para ambos os sexos, dos 9 aos 45 anos de idade. Os estudos atuais demonstram que, mesmo pacientes que já foram expostos ao HPV, ou que apresentaram lesão, se beneficiam da vacinação.15-17

A infecção pelo HPV constitui-se em um problema de saúde pública, principalmente nos países em desenvolvimento. Assim, estratégias para aumento da cobertura vacinal contra o HPV e o amplo rastreio da população para a detecção e tratamento de lesões intraepiteliais são consideradas as maneiras mais eficazes de prevenir o câncer.7,8

Tabela 1. Contribuição dos tipos de HPV para as doenças relacionadas ao HPV em todo o mundo

* NIC 2 e 3 e AIS foram aceitos como precursores de câncer do colo do útero invasivo. NIV 2/3, NIVA 2/3, NIA 2/3 e NIP 2/3 foram aceitos como precursores de câncer vulvar, vaginal, anal e peniano, respectivamente.
† HPV 6 e 11 são atribuídos a aproximadamente 5% das lesões NIC 1.
‡ Contribuição do tipo apenas para lesões e cânceres positivos para HPV.
§ HPV 16 causa a maioria dos cânceres de orofaringe.
¶ Verrugas genitais e PRR são causadas principalmente pelos tipos de HPV 6 e 11.
AIS, adenocarcinoma in situ; NIA, neoplasia intraepitelial anal; NIC, neoplasia intraepitelial cervical; NIP, neoplasia intraepitelial prostática; NIV, neoplasia intraepitelial vulvar; NIVA, neoplasia intraepitelial vaginal.
Adaptada de bula GARDASIL® 9.17

Referências

  1. Instituto do Câncer (ICA). Câncer do colo do útero. 2023. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-do-colo-do-utero. Acesso em: abr. 2023.
  2. Wentzensen N, Clarke MA, Bremer R, Poitras N, Tokugawa D, Goldhoff PE, et al. Clinical Evaluation of Human Papillomavirus Screening With p16/Ki-67 Dual Stain Triage in a Large Organized Cervical Cancer Screening Program. JAMA Intern Med. 2019;179(7):881-8.
  3. Kalavathy MC, Mathew A, Jagathnath Krishna KM, Saritha VN, Sujathan K. Risk factors and prevalence of cervical squamous intraepithelial lesions among women in south India: A community-based cross-sectional study. Indian J Cancer. 2022;59(1):95-100.
  4. Cheng L, Wang Y, Du J. Human Papillomavirus Vaccines: An Updated Review. Vaccines (Basel). 2020;8(3):391.
  5. World Health Organization (WHO). Global strategy to accelerate the elimination of cervical cancer as a public health problem. 2020. Disponível em: https://www.who.int/initiatives/cervical-cancer-elimination-initiative. Acesso em: abr. 2023.
  6. Ministério da Saúde. Diretrizes Brasileiras para rastreamento do câncer do colo do útero. 2016. Disponível em: http://www.citologiaclinica.org.br/site/pdf/documentos/diretrizes-para-o-rastreamento-do-cancer-do-colo-do-utero_2016.pdf. Acesso em: abr. 2023.
  7. Ferreira GRV, Tomioka RB, Queiroz LB, Kozu K, Aikawa NE, Sallum AME, et al. Lower genital tract infections in young female juvenile idiopathic arthritis patients. Adv Rheumatol. 2019;59(1):50.
  8. Hongwei L, Juan L, Xiaoying X, Zhijun F. MicroRNA-106b-5p (miR-106b-5p) suppresses the proliferation and metastasis of cervical cancer cells via down-regulating fibroblast growth factor 4 (FGF4) expression. Cytotechnology. 2022;74(4):469-78.
  9. Speck NMG, Carvalho JP. Dossiê de estratégias do rastreamento do câncer de colo uterino no Brasil. FEBRASGO São Paulo; 2018. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/download/167_d8aac29103a80d079e7031cf127c72d6. Acesso em: abr. 2023.
  10. FUTURE II Study Group. Quadrivalent vaccine against human papillomavirus to prevent high-grade cervical lesions. N Engl J Med. 2007;356(19):1915-27.
  11. Garland SM, Kjaer SK, Muñoz N, Block SL, Brown DR, DiNubile MJ, et al. Impact and Effectiveness of the Quadrivalent Human Papillomavirus Vaccine: A Systematic Review of 10 Years of Real-world Experience. Clin Infect Dis. 2016;63(4):519-27.
  12. Ministério da Saúde. NOTA INFORMATIVA Nº 135-SEI/2017-CGPNI/DEVIT/SVS/MS. Disponível em: https://saude.es.gov.br/Media/sesa/Imuniza%C3%A7%C3%A3o/SEI_MS%20-%20Nota%20Informativa%20135%20-%20mudancas%20no%20calendario%20nacional%20de%20vacinacao%202018.pdf. Acesso em: abr. 2023.
  13. Sociedade Brasileira de Imunologia (SBIm). Calendários de vacinação SBIm pacientes especiais – 2022-2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/calendarios/calend-sbim-pacientes-especiais.pdf. Acesso em: abr. 2023.
  14. Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Vacinação contra o HPV na mulher adulta. 2022. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/images/pec/posicionamentos-febrasgo/FPS-N6-Junho-2022-portugues.pdf. Acesso em: abr. 2023.
  15. Sociedade Brasileira de Imunologia (SBIm). Nota Técnica SBim 15/03/2023 Atualização das vacinas HPV em uso no Brasil: introdução da nonavalente (HPV9). 2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nt-sbim-vacina-hpv9-230505.pdf. Acesso em: abr. 2023.
  16. Ghelardi A, Parazzini F, Martella F, Pieralli A, Bay P, Tonetti A, et al. SPERANZA project: HPV vaccination after treatment for CIN2. Gynecol Oncol. 2018;151(2):229-34.
  17. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Bula GARDASIL® 9. Disponível em: https://consultas.anvisa.gov.br/#/bulario/q/?nomeProduto=GARDASIL%209. Acesso em: abr. 2023.

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