Caso clínico: Paciente com 30 anos de idade e diagnóstico de lesão de alto grau de colo relacionada a tipo de HPV não contido na vacina quadrivalente

Caso Clínico
Paciente com 30 anos de idade e diagnóstico de lesão de alto grau de colo relacionada a tipo de HPV não contido na vacina quadrivalente

Dra. Adriana B. Campaner
CRM-SP 75.482, RQE 67.493 (Ginecologia e Obstetrícia)
Ginecologista. Médica do Serviço de Patologia do Trato Inferior da Maternidade Odete Valadares (MOV) – Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). Professora da Faculdade de Medicina de Barbacena (FAME)
Mestre e Doutora em Tocoginecologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Médica Chefe da Clínica de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia da Santa Casa de São Paulo. Professora Adjunta da FCMSCSP. Presidente da Comissão Nacional Especializada em Trato Genital Inferior da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) – gestão 2024-2027.
INTRODUÇÃO
Mais de 15 anos se passaram desde que a vacinação contra o papilomavírus humano (HPV) foi inicialmente implementada no mundo, e mais de 100 países e territórios a introduziram em seus programas nacionais de vacinação.1,2 Nessas localidades inicialmente foi adotada a vacina quadrivalente (HPV4), que contém as partículas semelhantes a vírus (VLPs) contra os tipos 6, 11, 16 e 18, e em alguns países seguiu-se a utilização da vacina nonavalente (VLPs contra os tipos 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58). A partir de então inúmeros estudos vêm demonstrando o perfil de eficácia dessas vacinas na prevenção da infecção viral, com importante redução das lesões relacionadas a esse vírus.3
Em importante revisão sistemática e metanálise publicada por Drolet et al. incluindo mais de 60 milhões de indivíduos no mundo, os autores observaram que, após 5-8 anos de vacinação, a prevalência do HPV 16 e 18 diminuiu significativamente em 83% entre meninas de 13 a 19 anos e em 66% entre mulheres de 20 a 24 anos. Os diagnósticos de verrugas anogenitais também diminuíram significativamente em 67%, 54% e 31% entre meninas de 15 a 19 anos, mulheres de 20 a 24 anos e mulheres de 25 a 29 anos, respectivamente. Entre os meninos de 15 a 19 anos, os diagnósticos de verrugas anogenitais diminuíram significativamente em 48% e entre os homens de 20 a 24 anos diminuíram significativamente em 32%. Após 5-9 anos de vacinação, as taxas de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) grau 2+ diminuíram significativamente em 51% entre meninas rastreadas de 15 a 19 anos e em 31% entre mulheres de 20 a 24 anos. Concluiu-se que esses resultados mostram evidências convincentes do impacto substancial dos programas de vacinação contra o HPV nas infecções por HPV e NIC2+ entre meninas e mulheres, e no diagnóstico de verrugas anogenitais entre meninas, mulheres, meninos e homens. Além disso, os programas com vacinação multicoorte e elevada cobertura vacinal tiveram maior impacto direto e efeitos de rebanho.4
Em nosso país a vacina HPV disponibilizada no Programa Nacional de Imunizações é a quadrivalente. No entanto, a vacina nonavalente (HPV9) pode ser encontrada nas clínicas privadas de vacinação,5 sendo o esquema recomendado de administração:
- Meninos e meninas de 9-14 anos – 2 doses (0 e entre 5 e 13 meses);5,6
- Homens e mulheres ≥15 anos até 45 anos – 3 doses (0, 2 e 6 meses).5,6
A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) recomenda, sempre que possível, o uso preferencial da vacina HPV9 e a revacinação daqueles(as) anteriormente vacinados(as) com HPV4, com o intuito de ampliar a proteção para os tipos adicionais.5 No entanto, muitos ginecologistas ainda discutem a real necessidade da revacinação de indivíduos já vacinados, bem como a aplicação em pacientes com lesões HPV induzidas e com antecedentes de infecção por esse vírus. Do exposto, relatamos aqui um caso de paciente previamente vacinada com a vacina HPV4 que desenvolveu lesão de alto grau de colo relacionada a tipo de HPV não contido nessa vacina HPV4.
CASO CLÍNICO
Mulher jovem com diagnóstico de neoplasia intraepitelial cervical após vacinação com vacina quadrivalente
O caso clínico em questão demonstra uma paciente já vacinada com HPV4 que desenvolveu NIC 3 relacionada ao HPV33, que não estava contido na vacina HPV4 e sim na HPV9.
HISTÓRICO DA PACIENTE
DADOS PESSOAIS
- Paciente de 30 anos.
- Negava comorbidades, tabagismo, cirurgias prévias ou uso de medicações atuais.
MOTIVO DA CONSULTA GINECOLÓGICA
- Exames de rotina, não referindo qualquer sintomatologia.
HISTÓRIA PREGRESSA
- Ginecológicos e obstétricos – apresentava ciclos menstruais regulares, sem uso de métodos contraceptivos. Nuligesta.
- Sexuais – no momento, sem nenhum parceiro.
- Recebeu a vacina quadrivalente contra o HPV em 2016, com esquema completo.
TIMELINE – CONSULTA INICIAL: ANAMNESE E EXAMES

TIMELINE – CONSULTA DE RETORNO (1 MÊS DEPOIS)

TIMELINE – EXAMES COMPLEMENTARES – CONSULTA DE RETORNO

PRESCRIÇÃO: vacina nonavalente contra o HPV
Figura 1. Exame colposcópico (com aplicação de ácido acético) revelando área extensa de epitélio acetobranco denso ao redor do orifício externo do colo, com zona de transformação do tipo 2. Ausência de lesões vaginais

Acervo pessoal da autora.
Figura 2. Exame colposcópico (com aplicação de lugol) revelando área extensa iodo-negativa ao redor do orifício externo do colo e ausência de lesões vaginais

Acervo pessoal da autora.
DISCUSSÃO
Como comentado anteriormente, muitos ginecologistas na prática clínica ainda discutem a real necessidade da revacinação de indivíduos já vacinados, bem com a aplicação em pacientes com lesões HPV induzidas e com antecedentes de infecção por esse vírus. No caso apresentado, a paciente já vacinada com HPV4 desenvolveu NIC 3 relacionada ao HPV33, que não estava contido na vacina HPV4 e sim na HPV9.
Vários estudos publicados na literatura demonstraram que a prevalência dos tipos de HPV 16 e 18 reduziu significativamente nas diversas localidades onde as vacinas HPV2 e HPV4 foram implantadas inicialmente, mas ainda ocorreram casos de lesões de alto grau relacionados a outros tipos virais.4 Dessa maneira, com a disponibilização da HPV9, alguns países a introduziram nos programas nacionais de imunização com o intuito de ampliar a proteção para os tipos adicionais.5
Em pesquisa desenvolvida por Hu et al., os autores investigaram o impacto da vacinação contra o HPV entre mulheres vacinadas quando adultas jovens e atingindo a idade de triagem, sendo incluído um total de 4.632 mulheres com idade entre 25 e 36 anos (2.418 vacinadas contra HPV quando adultas jovens e 2.214 não vacinadas). Foram detectados 95 casos de NIC 3+ (52 em mulheres não vacinadas e 43 em mulheres vacinadas), onde os tipos HPV 16, 18, 31, 33 e 45 foram predominantes (69%) entre as participantes não vacinadas e os tipos HPV 35, 39, 52, 58, 51, 56, 59, 66 e 68 predominaram (65%) entre as participantes vacinadas.7
Assim, baseando-se na recomendação da SBIm, nesses estudos e no caso descrito anteriormente, a revacinação daqueles(as) anteriormente vacinados(as) com HPV4 poderia ampliar a proteção para os tipos adicionais de HPV, evitando-se lesões relacionadas a esses novos tipos virais contidos na HPV9.5
Preocupada com as dúvidas de muitos médicos em relação à vacinação de pacientes com lesões HPV induzidas e com antecedentes de infecção por esse vírus, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) lançou, em 2022, documento relacionado à vacinação contra o HPV na mulher adulta (Febrasgo Position Statement). Nesse documento, os autores ressaltam os seguintes pontos importantes:8
● Na atualidade existe um segundo pico de infecção por HPV, principalmente na quinta década de vida da mulher. |
● Dentre as mulheres adultas, a maioria apresenta testes sorológicos e moleculares negativos para os tipos virais contidos nas vacinas. |
● Sem a cobertura vacinal, a mulher continua sob risco de contrair o HPV e desenvolver lesões induzidas durante toda sua vida. |
● Pode-se considerar a vacinação mesmo em mulheres adultas com história de infecção anterior por HPV, visto que a infecção natural por esse vírus parece não oferecer imunidade suficiente para impedir a ocorrência de novas infecções pelo mesmo tipo viral, diferentemente da imunogenicidade induzida pelas vacinas contra HPV. |
● Em pacientes com lesões prévias desencadeadas por HPV e que já foram tratadas, as evidências mostraram redução do risco de recidivas e/ou reinfecções após a vacinação. |
● Assim, as mulheres adultas que não são contempladas para vacinação em programas oficiais podem ser beneficiadas com a proteção individual. |
CONCLUSÃO
Do exposto, as mulheres adultas que não foram contempladas com a vacina contra HPV na adolescência poderão ter benefícios de proteção se imunizadas com ou sem histórico de infecção pregressa.8
Agora com a disponibilidade de Gardasil® 9, temos a opção de proteger contra tipos oncogênicos não presentes na vacina contra o HPV quadrivalente.8
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS: 1. Swift C, Dey A, Rashid H, Clark K, Manocha R, Brotherton J, et al. Stakeholder Perspectives of Australia’s National HPV Vaccination Program. Vaccines (Basel). 2022;10(11):1976. 2. United Nations Children’s Fund – UNICEF. Closing the gap: UNICEF bolsters country efforts to increase HPV vaccination. Disponível em: https://www.unicef.org/supply/stories/closing-gap-unicef-bolsters-country-efforts-increase-hpv-vaccination. Acesso em: 22 maio 2024. 3. Arbyn M, Xu L, Simoens C, Martin-Hirsch PP. Prophylactic vaccination against human papillomaviruses to prevent cervical cancer and its precursors. Cochrane Database Syst Rev. 2018;5(5):CD009069. 4. Drolet M, Bénard É, Pérez N, Brisson M; HPV Vaccination Impact Study Group. Populationlevel impact and herd effects following the introduction of human papillomavirus vaccination programmes: updated systematic review and meta-analysis. Lancet. 2019;394(10197):497-509. 5. Levi M. Atualização das vacinas HPV em uso no Brasil: introdução da nonavalente (HPV9). Nota Técnica SBIm 15/03/2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nt-sbim-vacina-hpv9-231103.pdf. 6. Bula vigente de Gardasil 9. 7. Hu SY, Kreimer AR, Porras C, Guillén D, Alfaro M, Darragh TM, et al.; Costa Rica HPV Vaccine Trial (CVT) Group. Performance of Cervical Screening a Decade Following HPV Vaccination: The Costa Rica Vaccine Trial. J Natl Cancer Inst. 2022;114(9):1253-1261. 8. Roteli-Martins CM, Magno V, Santos ALF, Teixeira JC, Neves NA, Fialho SCAV. Vacinação contra o HPV na mulher adulta. Febrasgo Position Statement – Número 6 – Junho 2022. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/images/pec/posicionamentos-febrasgo/FPS-N6-Junho-2022-portugues.pdf.
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