Caso clínico: Adolescente em primeira visita ao ginecologista, não recebeu a vacina contra o HPV – Dra. Adriana Campaner

CASO CLÍNICO
ADOLESCENTE EM PRIMEIRA VISITA AO GINECOLOGISTA

Dra. Adriana Bittencourt Campaner
CRM-SP 75.482
Professora Adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Médica-Chefe do Setor de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia da Santa Casa de São Paulo

Introdução

A adolescência é uma fase única e crítica na vida de um indivíduo e representa a transição entre a infância e a vida adulta. É caracterizada por significativas mudanças físicas e psicossociais que trazem riscos e oportunidades de influenciar as perspectivas futuras. Nessa fase de vida, há um esforço do indivíduo para estabelecer independência e autonomia, passando a tomar decisões sobre seu estilo de vida, realizando escolhas e assumindo riscos que poderão impactar em sua saúde de forma mais imediata ou a longo prazo.1,2

Em relação à vivência da sexualidade nessa fase de vida, esta é marcada por diversos aspectos que vão constituir a identidade sexual e o padrão de comportamento sexual da adolescente. Contudo, muitas jovens não possuem conhecimento adequado e habilidades para a prática do “sexo seguro”, levando-as a se engajarem em comportamentos que acarretam risco à sua saúde. Entende-se que essas condutas podem estar associadas principalmente ao não uso do preservativo nas relações sexuais, possibilitando aquisição principalmente de infecções sexualmente transmissíveis (IST) ou uma gravidez não desejada, entre as diversas situações inusitadas que podem ocorrer. Além disso, outros tipos de comportamentos de risco para a saúde têm sido encontrados na adolescência, tais como: uso de tabaco, álcool e outras drogas; atividade sexual de início precoce ou práticas “perigosas” e o não uso de qualquer método contraceptivo.1,2

Sabe-se que a infecção pelo papilomavírus humano (HPV) encontra-se disseminada globalmente, sendo a IST mais frequente em todo o mundo. Isso acontece devido ao mecanismo de transmissão facilitado desse vírus: estima-se que a chance de uma pessoa ter contato com o HPV durante a vida chegue a 80%. Uma vez infectada, a pessoa pode ter remissão espontânea e eliminação viral, o que ocorre na maioria das pacientes; no entanto, pode evoluir para uma infecção persistente, com risco de desenvolvimento de verrugas genitais e de transformação para diferentes graus de displasia e câncer.3

Dessa maneira, entender o comportamento sexual das adolescentes e os fatores associados se torna importante por parte do ginecologista, com o intuito de orientar melhor suas pacientes e ajudá-las nessa importante fase de vida, o que incluiria orientações ginecológicas gerais, aconselhamento sobre atividade sexual e ISTs, introdução de contracepção quando necessário e atualização da vacinação e rastreio de ISTs.1 Assim, relatamos um caso clínico de uma adolescente, com comportamento sexual de risco, em sua primeira consulta ao ginecologista.

Caso clínico

Mãe traz jovem de 16 anos de idade para a primeira consulta ginecológica, pois tomou conhecimento que sua filha está namorando; no entanto, a jovem não apresenta queixas ginecológicas. Negava comorbidades, uso de medicações e/ou cirurgias prévias. Menarca aos 12 anos de idade, com ciclos mensais atuais regulares. Início de atividade sexual há cerca de 6 meses, mantendo mesmo parceiro desde então; uso irregular de preservativos. Mãe referia vacinas em dia, com exceção da vacina contra o HPV (trouxe carteira de vacinação).

Ao exame físico geral, não apresentava anormalidades; corada e normotensa. Mamas (M4) simétricas, sem lesões à palpação. Genitália externa trófica, sem alterações; realizado exame especular onde se visualizava colo epitelizado, com orifício entreaberto e presença de secreção fisiológica. Toque vaginal sem tumorações e/ou massas, útero de aspecto normal (Figura 1).
Nessa consulta inicial foi colhido exame de reação em cadeia da polimerase (PCR) endocervical para detecção de gonorreia/clamídia, com sangramento local moderado e solicitado ultrassom para avaliação de pelve, bem como exames laboratoriais de rotina. Já realizada prescrição de contraceptivo hormonal oral combinado, a pedido da paciente, e receitado GARDASIL® 9 contra o HPV (orientação para três doses). Todas as orientações gerais sobre atividade sexual, uso de preservativos e ISTs também foram fornecidas.

No retorno, informa que já iniciou contracepção oral e evoluiu sem queixas, bem como já recebeu a primeira dose da vacina contra o HPV. Traz resultado de ultrassonografia (USG) e exames laboratoriais dentro do esperado. Recebido exame de PCR de clamídia que se mostrou positivo, sendo tratada com antibioticoterapia específica e orientado tratamento do parceiro e coleta de exame de controle de cura. Foi reforçada a manutenção do contraceptivo de modo correto, associada ao uso de preservativo e à finalização do esquema vacinal contra HPV.

Genitália externa normal e colo epitelizado, com sangramento durante a coleta de PCR endocervical para detecção de gonorreia/clamídia, sendo que esta última se mostrou positiva.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 1. Genitália externa normal e colo epitelizado, com sangramento durante a coleta de PCR endocervical para detecção de gonorreia/clamídia, sendo que esta última se mostrou positiva.

Discussão

A quarta e última edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2019 com adolescentes com idades de 13 a 17 anos, conseguiu identificar hábitos e cuidados de 11,8 milhões de estudantes de todo o país. Observou-se que 35,4% dos escolares já haviam tido relação sexual; os respectivos valores foram de 39,9% para os meninos e 31,0% entre as meninas. Destes jovens, 63,3% usaram preservativo em sua primeira vez e 40,9% não o utilizaram na última relação sexual (Figura 2). Entre as meninas que já haviam tido relação sexual, 7,9% engravidaram alguma vez na vida. Nessa pesquisa, verificou-se também que 63,3% dos escolares já haviam ingerido uma dose de bebida alcoólica e 34,6% deles haviam tomado a primeira dose com menos de 14 anos; 13% dos estudantes declararam ter feito uso de droga ao menos uma vez. Quanto ao cigarro, 22,6% dos estudantes responderam ter fumado alguma vez na vida.4

Além desses comportamentos de risco, novos meios de comunicação, compartilhamento de conhecimento e mídias sociais estão transformando a vida dos adolescentes. De todos os grupos etários, os jovens são os que têm maior probabilidade de se conectarem ao mundo por meio das redes sociais, com até 89% dos jovens de 15 a 24 anos estando on-line. Conectar-se à internet traz oportunidades sociais, educacionais e de emprego; no entanto, as mídias sociais também deram origem a novas e emergentes formas de relacionamentos, incluindo a mudança de normas nas trocas sexuais e sociais que não estão totalmente documentadas.5,6

Sabe-se que mais de 1 milhão de casos de ISTs ocorrem em todo o mundo, todos os dias. Apesar de todas as orientações pertinentes, a prevalência dessas infecções está aumentando.7 Já os adolescentes e adultos jovens (AAJ) são desproporcionalmente afetados: dos 26,2 milhões de novas ISTs que ocorrem nos Estados Unidos (EUA) a cada ano, 45,5% (11,9 milhões) ocorre entre AAJ, apesar desta faixa etária abranger apenas cerca de um quarto da população sexualmente ativa. Lembrando que essas ISTs têm um impacto profundo na saúde sexual e reprodutiva desses jovens.8

Assim, nesse mundo de transformações, quando uma adolescente inicia sua atividade sexual precoce e não tem todas as informações necessárias e cuidados para que esse início seja saudável, bem como maturidade para administrá-la, ela acaba se expondo a grandes perigos imediatos, como a gravidez indesejada, as ISTs, abortos clandestinos, risco de infertilidade, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), dentre outros. Cabe, então, ao ginecologista em consulta com adolescentes, realizar orientações gerais de saúde, aconselhar sobre atividade sexual segura e riscos/proteção contra ISTs, introdução de contracepção quando necessário, atualização da vacinação e rastreio de ISTs, mesmo em jovens assintomáticas, além de realizar exames de rotina, como ultrassonografia da pelve e exames laboratoriais.2

Comportamento sexual dos jovens de 13 a 17 anos de idade

Total

Meninos

Comportamento sexual dos jovens de 13 a 17 anos - meninos

Meninas

Comportamento sexual dos jovens de 13 a 17 anos - meninas

Utilização de preservativos

Elaborada a partir de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2023.4
Figura 2. Comportamento sexual dos jovens de 13 a 17 anos de idade segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2019.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) , oito patógenos estão ligados à maior incidência de ISTs no mundo, sendo que quatro são atualmente curáveis: sífilis, gonorreia, clamídia e tricomoníase. As outras quatro são infecções virais controláveis: hepatite B, vírus do herpes simples (HSV), vírus da imunodeficiência humana (HIV) e papilomavírus humano (HPV).9 Assim, o Centro de Controle de Doenças (CDC, do inglês Center of Disease Control) orienta triagem de rotina anual para gonorreia e clamídia para todas as mulheres sexualmente ativas com menos de 25 anos de idade, com tratamento dos casos positivos. Em relação às quatro ISTs virais mencionadas, vacinas com perfis de eficácia e segurança adequados estão disponíveis para duas delas: hepatite B e HPV.10

Recentemente, a vacina GARDASIL® 9 foi disponibilizada para uso comercial em nosso país, com indicação para mulheres e homens de 9 a 45 anos de idade. Essas vacinas contêm partículas semelhantes a vírus (VLPs) contra os tipos 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58, com cobertura de 90% dos casos de câncer anogenital. Assim, pessoas nessas faixas etárias podem receber as vacinas em clínicas privadas de vacinação. Essa vacina apresenta dados que demonstram soroconversão superior a 99% quando administradas a mulheres, 1 mês após a administração das 3 doses. O ideal é a administração antes do início da atividade sexual e preferencialmente a partir dos 9 anos de idade, visto que quanto mais precoce, maior será o título de anticorpos formados. No entanto, pessoas na faixa etária indicada podem se beneficiar da vacinação. A figura 3 apresenta doses e faixas etárias em relação à vacina nonavalente.11-14

A vacina GARDASIL 9 está disponível em serviços privados de vacinação, enquanto a vacina quadrivalente (VLPs tipos 6, 11, 16 e 18) encontra-se no programa nacional de imunizações para meninos e meninas de 9-14 anos de idade e imunossuprimidos de 9-45 anos de idade (homens e mulheres).15 As jovens e mulheres não vacinadas podem receber a vacina contra o HPV independentemente de atividade sexual prévia, exposição anterior ao HPV ou orientação sexual. O teste para DNA de HPV, bem como exames de citologia ou colposcopia, não são pré-requisitos para vacinação. Testes para mensuração de anticorpos para HPV, como o intuito de se verificar se a paciente já se infectou pelo vírus, não estão disponíveis comercialmente em nosso país.16-18

“Essa vacina apresenta dados que demonstram soroconversão superior a 99% quando administradas a mulheres, 1 mês após a administração das 3 doses14

Adolescentes (meninos e meninas) de 9-14 anos de idade = 2 doses (0-5 a 13 meses)

Jovens e adultos (homens e mulheres) > 15-45 anos de idade = 3 doses (0 – 2 – 6 meses)

Imunossuprimidos, independente da idade (homens e mulheres 9-45 anos de idade) = 3 doses (0 – 2 – 6 meses)

Elaborada a partir de Sociedade Brasileira de Imunizações11 e bula vigente de GARDASIL®.12
Figura 3. Doses e faixas etárias da GARDASIL® 9.

Conclusão

Diante do exposto, pode-se perceber que diversos fatores como os individuais, culturais, socioeconômicos e familiares podem influenciar o desenvolvimento de comportamentos sexuais de risco em adolescentes. Alguns desses fatores não podem ser modificados; no entanto, percebe-se que a educação/orientação exerce uma influência poderosa sobre as percepções e atitudes do adolescente, influindo em sua vida futura. Dessa maneira, cabe ao médico tentar ajudá-los nessa importante fase de vida, fornecendo informações confiáveis em relação à educação sexual, falando de sexo, métodos contraceptivos, SIDA/AIDS, gravidez, vacinação, entre outros.1,2

Referências

  1. Shannon CL, Klausner JD. The growing epidemic of sexually transmitted infections in adolescents: a neglected population. Curr Opin Pediatr. 2018;30(1):137-43.
  2. Liang M, Simelane S, FortunyFillo G, Chalasani S, Weny K, Salazar Canelos P, et al. The State of Adolescent Sexual and Reproductive Health. J Adolesc Health. 2019;65(6S):S3-15.
  3. Villa LL, Richtmann R. HPV vaccination programs in LMIC: is it time to optimize schedules and recommendations? J Pediatr (Rio J). 2023;99 Suppl 1:S57-61.
  4. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde do escolar (PeNSE): 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101852.pdf. Acesso em: abr. 2023.
  5. UNICEF. The state of the world’s children 2017 – Children in a Digital World. 2017. Disponível em: https://www.unicef.org/media/48601/file. Acesso em: jul. 2023.
  6. UNICEF. How many children and young people have internet access at home?2020. Disponível em: https://data.unicef.org/resources/children-and-young-people-internet-access-at-home-during-covid19/. Acesso em: jul. 2023.
  7. World Health Organization – WHO. More than 1 million new curable sexually transmitted infections every day. Disponível em: https://www.who.int/news/item/06-06-2019-more-than-1-million-new-curable-sexually-transmitted-infections-every-day. Acesso em: jul. 2023.
  8. Kreisel KM, Spicknall IH, Gargano JW, Lewis FMT, Lewis RM, Markowitz LE, et al. Sexually Transmitted Infections Among US Women and Men: Prevalence and Incidence Estimates, 2018. Sex Transm Dis. 2021;48(4):208-14.
  9. World Health Organization (WHO). Sexually transmitted infections (STIs): Factsheets 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/sexually-transmitted-infections-(stis). Acesso em: abr. 2023.
  10. Workowski KA, Bachmann LH, Chan PA, Johnston CM, Muzny CA, Park I, et al. Sexually Transmitted Infections Treatment Guidelines, 2021. MMWR Recomm Rep. 2021;70(4):1-187.
  11. Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Nota Técnica da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim) de 15/03/2023. Atualização das vacinas HPV em uso no Brasil: introdução da nonavalente (HPV9). Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nt-sbim-vacina-hpv9-230505.pdf. Acesso em: abr. 2023.
  12. Bula de vigente de GARDASIL® 9.
  13. Nicoli F, Mantelli B, Gallerani E, Telatin V, Squarzon L, Masiero S, et al. Effects of the age of vaccination on the humoral responses to a human papillomavirus vaccine. NPJ Vaccines. 2022;7(1):37. Tamaratana S, Pitisuttithum P. Human Papillomavirus Vaccine Efficacy and Effectiveness against Cancer. Vaccines (Basel). 2021;9(12):1413.
  14. Kamolratanakul S, Pitisuttithum P. Human Papillomavirus Vaccine Efficacy and Effectiveness against Cancer. Vaccines (Basel). 2021;9(12):1413.
  15. Ministério da Saúde. Vacina HPV quadrivalente é ampliada para homens de até 45 anos com imunossupressão. 2022. Disponível em: . Acesso em: ago. 2023.
  16. Arbyn M, Xu L, Simoens C, Martin-Hirsch PP. Prophylactic vaccination against human papillomaviruses to prevent cervical cancer and itsprecursors. Cochrane Database Syst Rev. 2018;5(5):CD009069.
  17. American College of Obstetricians and Gynecologists’ (ACOG) Committee on Adolescent Health Care, ACOG’ Immunization, Infectious Disease, and Public Health Preparedness Expert Work Group. Human Papillomavirus Vaccination: ACOG Committee Opinion, Number 809. Obstet Gynecol. 2020;136(2):e15-21.
  18. Associação Paulista de Medicina do Trabalho – APMT. HPV – Diagnóstico e Rastreamento. Disponível em: https://apmtsp.org.br/hpv-diagnostico-e-rastreamento/. Acesso em: jul. 2023.

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