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Câncer de cabeça e pescoço: fatores de risco, sinais e sintomas, e manejo clínico multidisciplinar

O câncer de cabeça e pescoço engloba variados tipos histológicos de neoplasias, e tem um alto acometimento no Brasil. É uma doença associada a diversas morbidades, tornando o diagnóstico precoce fundamental para melhores desfechos clínicos.

Escrito por Lucas Blankenheim (estudante de medicina da UFRJ)

O câncer de cabeça e pescoço é uma neoplasia de prevalência e incidência crescente na atualidade. O Brasil é um dos países com maior incidência de carcinoma escamoso de cabeça e pescoço. De acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), é estimada uma incidência, para cada ano do triênio 2020−2022, de 11.180 novos casos de câncer da cavidade oral e 6.470 novos casos de câncer de laringe, em homens. Ainda que não esteja à frente de outros tipos comuns de câncer, como os de mama e próstata, o aumento dos fatores de risco para o desenvolvimento dessa condição são sinais de alerta para uma incidência cada vez maior. É uma doença que apresenta boas taxas de sobrevida, entretanto, está associada a morbidades estéticas, psicológicas e funcionais expressivas.1,2

Dentro da nomenclatura “câncer de cabeça e pescoço” incluem-se variados tipos histológicos de neoplasias, que se manifestam na boca, faringe, laringe, fossas nasais, seios paranasais, glândulas salivares e tireoide. Os tipos mais comuns que acometem o trato aerodigestivo superior são os carcinomas epiteliais e espinocelulares, os quais correspondem às neoplasias mais comumente encontradas nessa região, sendo o mais frequente o carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço. A sintomatologia, o estadiamento, o tratamento, o prognóstico e as estratégias de triagem dependem do local da neoplasia, do estágio ao diagnóstico, e da biologia molecular associada.3

Os principais fatores de risco para o carcinoma escamoso de cabeça e pescoço estão associados com o uso do álcool e do tabaco. Entretanto, nos últimos anos, os agentes oncogênicos virais, tais como o vírus Epstein-Baar (EBV) e HPV, têm sido importantes fatores de risco para a ocorrência dos carcinomas de nasofaringe e de orofaringe, respectivamente. A infecção por HPV se dá principalmente por meio do sexo oral, e o risco de infecção pode ser diminuído consideravelmente a partir da vacinação de meninas e meninos contra o HPV. É importante também destacar que a exposição prolongada à luz solar pode aumentar o risco de câncer de lábio, e que os tumores da cabeça e pescoço são mais comuns em pessoas com mais de 50 anos.4

Os sinais e sintomas relacionados ao câncer de cabeça e pescoço são múltiplos e variam conforme o local da neoplasia. Os pacientes geralmente passam por meses de sintomas inespecíficos antes do diagnóstico, tais como, disfagia, odinofagia, otalgia, congestão nasal, sangramento, leucoplasia, eritoplasia, e quaisquer outros relacionados ao acometimento do trato aerodigestivo superior. Vale ressaltar que, na ocorrência de metástases, essas são em geral assintomáticas. 3,4

O diagnóstico é muitas vezes ocasional, detectado em exame odontológico de rotina quando a localização é predominantemente na cavidade oral. Entretanto, a investigação diagnóstica inicial se dá por exame físico minucioso, em busca de lesões pré-malignas ou secundárias, palpação de massas e busca por linfonodomegalia não-inflamatória. A anamnese detalhada, atendo-se a fatores de risco em potencial, como história vacinal incompleta, tabagismo, alcoolismo e exposição prévia a agentes oncogênicos virais, é fundamental. Além disso, exames de imagem são indispensáveis. Dentre esses, os principais são tomografia computadorizada, ressonância magnética, PET-CT e outros exames como broncoscopia, laringoscopia, esofagoscopia. Em definitivo, para confirmação diagnóstica, usa-se a biópsia, a qual pode ser excisional ou PAAF, com posterior análise genética para HPV e EBV, devido à implicação prognóstica.5

O estadiamento segue o American Joint Committee on Cancer (AJCC) TNM, porém o estadiamento T irá depender da qual região anatômica em que a neoplasia se encontra. Apesar da baixa incidência de metástases, os pacientes com estadiamento T4, ou seja, quando o tumor invade estruturas adjacentes, devem ser submetidos à tomografia de tórax para investigação do acometimento de linfonodos. O ponto mais importante acerca do diagnóstico é que a detecção precoce está intimamente atrelada a um prognóstico melhor, uma vez que mesmo tumores pequenos apresentam repercussões sintomático-funcionais
expressivas, destacando a necessidade de uma abordagem em estádios cada vez mais iniciais, o que inclui a excisão de lesões pré-cancerosas.2

A escolha do tratamento pela equipe clínica deve levar em consideração o local e a extensão da doença, além do tipo histológico do tumor e a idade e a saúde geral do paciente. Atualmente, uma das principais formas de tratamento consiste na retirada cirúrgica da lesão, que deve ser realizada por um cirurgião experiente no tratamento dos tumores de cabeça e pescoço, seguindo o princípio das margens livres, e com o intuito de preservar ao máximo a estética e a funcionalidade do paciente, mitigando ao máximo a morbidade póscirúrgica. Em associação, a radioterapia adjuvante é amplamente utilizada. A quimioterapia é reservada aos casos de doença localmente avançada, sendo principalmente baseada em platina. Nos últimos anos, novas drogas foram inseridas no tratamento do câncer de cabeça e pescoço, como drogas-alvo, um anticorpo monoclonal que bloqueia o receptor do fator de crescimento epitelial e a imunoterapia.4

Ademais, devido à complexidade e à morbidade expressiva associada à doença, a equipe multidisciplinar se faz indispensável para um prognóstico bom e com preservação da qualidade de vida. A equipe multidisciplinar engloba, por exemplo, a equipe de fonoaudiologia, que representa peça-chave na reabilitação da fala e deglutição dos pacientes; a odontologia, a qual, por meio da terapia a laser para promoção de conforto durante a irradiação, minimiza a incidência de lesões aftosas dolorosas na cavidade oral; a psicologia, fundamental para abordar as implicações psicológicas decorrentes de morbidade estética e funcional; e a nutrição, essencial para contornar a carência nutricional decorrente da disfagia. São profissionais imprescindíveis no tratamento destes pacientes para que tenham melhores resultados, maior suporte e melhor reabilitação. Deve-se dar destaque não apenas à busca do aumento da eficácia terapêutica, mas também ao desenvolvimento de técnicas que cada vez mais visem preservar a qualidade de vida do paciente durante e após o tratamento.6

Referências:

  1. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. 2022. Disponível em https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil. Acessado em 20 de setembro de 2022.
  2. Lydiatt WM, Patel SG, O’Sullivan B, et al. Head and Neck cancers-major changes in the American Joint Committee on cancer eighth edition cancer staging manual. CA Cancer J Clin. 2017;67(2):122-37
  3. Wenig BM. Squamous cell carcinoma of the upper aerodigestive tract: dysplasia and select variants. Mod Pathol. 2017;30(s1):S112-S118.
  4. National Cancer Institute. Head and neck cancers. 2021. Disponível em: https://www.cancer.gov/types/head-and-neck/head-neck-fact-sheet#what-causes-cancers-of-the-head-and-neck. Acessado em 23 de setembro de 2022.
  5. Johnson DE, Burtness B, Leemans CR, et al. Head and neck squamous cell carcinoma. Nat Rev Dis Primers. 2020;6(1):92.
  6. Taberna M, Gil Moncayo F, Jané-Salas E, et al. The Multidisciplinary Team (MDT) Approach and Quality of Care. Front Oncol. 2020;10:85.