Caso clínico: Mulher em relacionamento estável e diagnóstico de NIC 3
Caso Clínico
MULHER EM RELACIONAMENTO ESTÁVEL E COM DIAGNÓSTICO DE NIC 3

Dra. Neila Speck
CRM-SP 61.715 | RQE 11.898 (Ginecologia), RQE 11.899 (Obstetrícia)
Professora Adjunta do Departamento de Ginecologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp)
Vice-presidente da Comissão Nacional Especializada do Trato Genital Inferior da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)
Membro da Diretoria da Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia (ABPTGIC)
CASO CLÍNICO
Mulher com relacionamento estável e diagnóstico de NIC 3
Caso clínico com paciente portadora dos tipos de HPV de alto risco, o 45 e o 35.
O caso em questão demonstra que a infecção persistente por HPV de alto risco é fator primordial para o desenvolvimento de lesões de alto grau e câncer de colo uterino.
HISTÓRICO DA PACIENTE
Caso clínico com paciente portadora dos tipos de HPV de alto risco, o 45 e o 35.
O caso em questão demonstra que a infecção persistente por HPV de alto risco é fator primordial para o desenvolvimento de lesões de alto grau e câncer de colo uterino.
DADOS PESSOAIS
- 37 anos de idade, em união estável, jornalista
- Tabagista
- Uso de cigarro eletrônico há 15 anos
- Encaminhada a uma consulta devido à alteração citológica no exame de rotina, assintomática
HISTÓRIA PREGRESSA
- Ginecológicos – nada a declarar
- Obstétricos – nenhuma gestação, não deseja ter filhos
- Sexuais – início sexual aos 17 anos de idade, com vários parceiros eventuais e parceria fixa há 4 anos
- Pessoais – exérese de lesão em garganta há 2 anos: seria papiloma?
- Usou anticoncepcional hormonal por via oral por 7 anos, depois DIU por 1 ano, seguido de condom de modo irregular. Relata que atualmente não utiliza nada
MOTIVO DA 1ª CONSULTA GINECOLÓGICA
- Alteração citológica no exame de rotina, assintomática
TIMELINE – EXAMES E DIAGNÓSTICO

Figura 1. Exame colposcópico da primeira consulta

Fonte: Acervo da autora.
TIMELINE – TRATAMENTO, PROCEDIMENTO E ACOMPANHAMENTO
TRATAMENTO E PROCEDIMENTO:
- Tratamento de vaginose bacteriana: metronidazol
- Aplicação da primeira dose da vacina Gardasil® 9

Figura 2. Exame colposcópico após tratamento da vaginose bacteriana, no dia do procedimento cirúrgico

Fonte: Acervo da autora.
Figura 3. Imagens da cratera cirúrgica após excisão da zona de transformação

Fonte: Acervo da autora.
EXAMES
- Citologia realizada em janeiro de 2024 evidenciou atipias de células escamosas, o que favorece lesão de alto grau (ASC-H).
- Exames antigos, de 2014, mostraram genotipagem positiva para HPV para os tipos de alto risco (AR) 45 e 35 e para os de baixo risco (BR) 44 e 55, com citologia e colposcopia normais.
Na ocasião, a paciente tomou uma dose da vacina Gardasil®, mas não completou o ciclo por esquecimento. Refere controles irregulares e não se lembra dos resultados, porém relata não ter sido orientada sobre os riscos nem sobre os benefícios da vacinação.
Realizou-se exame colposcópico, cujas imagens são apresentadas: existência de conteúdo branco-acinzentado com bolhas, colo uterino com orifício uterino (OU) circular, junção escamocolunar (JEC) parcialmente visível, achados normais com orifícios glandulares, achados anormais maiores, com epitélio acetobranco denso em toda a circunferência do orifício, extenso, com destacamento epitelial e exulceração em 2 horas longe da JEC, lesão com limite não visível que adentra canal (zona de transformação tipo 3), lesão grande que ocupa 80% da superfície do colo em todos os quadrantes e que vai até a periferia em quadrantes 1 e 2; vagina epitelizada, sem alterações.
Na figura 1, o teste de Schiller foi positivo nas áreas anormais.
Realizaram-se biópsias múltiplas, cujo resultado anatomopatológico (AP) foi de neoplasia intraepitelial cervical grau III (NIC III). Nessa consulta, a paciente foi medicada com metronidazol, para tratamento de vaginose bacteriana, bem como recebeu aplicação da primeira dose da vacina Gardasil® 9.
Programou-se o tratamento da lesão cervical com excisão da zona de transformação (EZT) mediante cirurgia de alta frequência (CAF). No dia do procedimento, na avaliação colposcópica do colo do útero, observou-se melhora do aspecto da região após tratamento da vaginose e a nova descrição da colposcopia foi: JEC visível ao nível do OU, achados normais com orifícios glandulares e cistos de Naboth, achados maiores com epitélio acetobranco denso margeando a JEC em toda a circunferência e adentrando o canal endocervical com limite visível (ZT tipo 2), porém com redução da extensão circunferencial em relação ao exame anterior. (Figura 2)
Realizou-se a EZT utilizando-se alça de 2×1,5 cm em passada única, associada à curetagem (CTG) de canal endocervical, conforme imagens da figura 3. Na avaliação colposcópica intraoperatória, não se identificou lesão acima da região de corte no canal endocervical.
Laudo AP da peça cirúrgica: NIC III em todos os quadrantes, extensão para criptas glandulares, margem ectocervical livre, radial profunda livre, endocervical comprometida, CTG de canal com fragmentos de lesão de alto grau (LAG).
Em programação para reexcisão.
O caso em questão demonstrou que a infecção persistente por HPV de alto risco é fator primordial para o desenvolvimento de lesões de alto grau e câncer de colo uterino.1
No trabalho realizado por Demarco et al. – Kaiser Permanente Northern California (KPNC); NCI-KPNC Persistence and Progression (PaP) Study –, publicado em 2020, os autores seguiram, pelo período de 9 anos, 11.573 mulheres que apresentavam infecção basal por HPV de alto risco. Dentre elas, 80% tiveram clareamento da infecção.2 No entanto, entre as que persistiram com a infecção após o sétimo ano de seguimento, os tipos de HPV que apresentaram maior risco de progressão foram o 16 e o 33, com risco cumulativo de 21,5% e 18,4%, respectivamente.2 Outros tipos de HPV, como 18, 31, 35, 45, 52 e 58, tiveram risco entre 5% e 10%,3 todos esses tipos cobertos pela nova vacina Gardasil® 9, à exceção do 35.3
A utilização do teste de DNA-HPV representa a melhor estratégia de rastreamento do câncer de colo uterino.1 Como abordagem primária de triagem, já é possível estratificar o risco de desenvolvimento de lesões.1 No caso clínico apresentado, a paciente era portadora dos tipos de HPV de alto risco, o 45 e o 35, os quais, segundo dados do KPNC, apresentam risco de progressão acima de 5%.2
O tratamento das lesões de alto grau do colo uterino é realizado com a exérese da zona de transformação,1,4 procedimento resolutivo em 90% das vezes.5 Mas, em algumas situações, podemos ter nova doença. Vários mecanismos diferentes podem explicar essa situação, subsequente ao tratamento de lesões cervicais relacionadas ao HPV.4 É difícil distinguir entre fontes de infecção exógenas e endógenas (autoinoculação), especialmente se causadas pelo mesmo tipo de HPV pré-tratamento.4 Quatro mecanismos de como a doença subsequente pode se desenvolver após o tratamento excisional para pré-câncer cervical (NIC 2+) foram propostos:4
- Ressecção incompleta (margem comprometida) – infecção persistente;
- Reinfecção por infecção adjacente (autoinoculação) – infecção persistente;
- Nova infecção ou reinfecção do parceiro (exógeno) ou de local distante (endógeno/autoinoculação) – infecção incidente;
- Clareamento imunológico de doença residual e posterior reativação – infecção recorrente ou recidivante.4
Para evitar doença subsequente, vários trabalhos têm demonstrado menores taxas com a utilização da vacina contra o HPV nessa população.1,4 A vacinação profilática não produz clareamento da infecção pelo HPV, tampouco elimina focos residuais de doença, mas ela poderá evitar nova infecção por um tipo diferente daquele causador da infecção atual, bem como a reinfecção pelo mesmo tipo, seja através do parceiro, seja por formação de nova lesão em outro sítio adjacente ou distante (autoinoculação).4 A mulher tratada de uma NIC e com infecção pelo HPV tem maior risco de apresentar, de forma sincrônica ou metacrônica, neoplasia de vagina e/ou vulva e/ou ânus.6 O inverso é verdadeiro. Vale salientar que a perda do controle imunológico também pode fazer a reativação de uma infecção latente.7 Assim, em muitos países tem-se indicado vacinar a população adulta com esse objetivo, a fim de evitar novos focos de doença. Em nosso país, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) lançou um documento com suas recomendações, conforme evidenciado no quadro 1:8
E assim procedemos com nossa paciente, não com o objetivo de tratar a doença residual, a qual será abordada cirurgicamente em um segundo tempo, mas sim para evitar nova infecção ou nova doença em outro sítio, que podem ser desencadeadas pelo HPV circulante e persistente ou pela reativação do HPV, que pode se tornar latente.
RECOMENDAÇÕES: |
Considerar a vacinação mesmo em mulheres adultas com história de infecção anterior por HPV, pois a infecção natural parece não oferecer imunidade suficiente para impedir a ocorrência de novas infecções pelo mesmo tipo viral, diferentemente da imunogenicidade induzida pelas vacinas contra HPV. |
Considerar que, entre as mulheres adultas, a maioria apresenta testes sorológicos e moleculares negativos para os tipos virais contidos nas vacinas. |
Considerar que na atualidade existe um segundo pico de infecção por HPV, principalmente na quinta década de vida da mulher. |
Considerar que, sem a cobertura vacinal, a mulher continua sob risco de contrair o HPV e desenvolver lesões induzidas durante toda sua vida. |
Considerar que, em pacientes com lesões prévias desencadeadas por HPV e que já foram tratadas, as evidências mostraram redução do risco de recidivas e/ou reinfecções após a vacinação. |
Considerar que as mulheres adultas que não são contempladas para vacinação em programas oficiais, com base nos estudos populacionais, podem ser beneficiadas com a proteção individual. |
Endossar que as mulheres adultas que não foram contempladas com a vacinação contra HPV na adolescência poderão ter benefícios de proteção se imunizadas com ou sem histórico de infecção pregressa. Nas adultas jovens (até 30 anos), esses benefícios são significativos e foram demonstrados em várias publicações, devendo, portanto, a vacinação fazer parte da prescrição médica. Mas também existe uma proteção individual nas mulheres até os 45 anos de idade que possam estar ainda sob o risco de novas infecções, e essa informação deve ser compartilhada pelos ginecologistas que as acompanham. |
Adaptada de: Rotelli-Martins, et al. Febrasgo Position Statement. 2022;6:1-5. [Acesso em 4 abr 2024]. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/pt/febrasgo-position-statement/category/vacinacao-contra-o-hpv-na-mulher-adulta.8
Referências: 1. Perkins RB, Guido RS, Castle PE, Chelmow D, Einstein MH, Garcia F, et al. ASCCP risk-based management consensus guidelines for abnormal cervical cancer screening tests and cancer precursors. J Low Genit Tract Dis. 2020;24(2):102-31. 2. Demarco M, Hyun N, Pokras OC, Bennett TRR, Cheung L, Chen X, et al. A study of type-specific HPV natural history and implications for contemporary cervical cancer screening programs. EClinicalMedicine. 2020;22:100293. 3. Joura EA, Giuliano AR, Iversen OE, Bouchard C, Mao C, Mehlsen J et al. A 9-valent HPV vaccine against infection and intraepithelial neoplasia in women. N Engl J Med. 2015;372(8):711-23. 4. Reuschenbach M, Doorbar J, Del Pino M, Joura EA, Walker C, Drury R, et al. Prophylactic HPV vaccines in patients with HPV-associated diseases and cancer. Vaccine. 2023;41(42):6194-205. 5. Athanasiou A, Veronili AA, Efthimiou O, Kalliala I, Naci H, Bowden S et al. Comparative effectiveness and risk of preterm birth of local treatments for cervical intraepithelial neoplasia and stage IA1 cervical cancer: a systematic review and network meta-analysis. Lancet Oncol. 2022;23:1097-108. 6. Preti M, Rosso S, Micheletti L, Libero C, Sobrato I, Giordano L, et al. Risk of HPV-related extra-cervical cancers in women treated for cervical intraepithelial neoplasia. BMC Cancer. 2020 Oct 7;20(1):972. 7. Gravitt PE, Winer RL. Natural history of HPV infection across the lifespan: role of viral latency. Viruses. 2017;9:267. 8. Rotelli-Martins C, Magno V, Santos ALF, Teixeira JC, Neves NA, Fialho SCAV. Vacinação contra o HPV na mulher adulta. Febrasgo Position Statement. 2022;6:1-5. [Acesso em 4 abr 2024]. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/pt/febrasgo-position-statement/category/vacinacao-contra-o-hpv-na-mulher-adulta.
Este conteúdo é oferecido pela MSD como um serviço à comunidade médica (aos profissionais de saúde). Os pontos de vista aqui expressos refletem a experiência e as opiniões dos autores. As informações relacionadas a produto(s) podem ser divergentes das existentes na bula. Antes de prescrever qualquer medicamento eventualmente citado, recomendamos a leitura da bula completa emitida pelo fabricante.
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