Caso clínico – Recorrência e progressão de carcinoma de células escamosas da laringe: uma trajetória de tratamento com pembrolizumabe
Caso clínico
Recorrência e progressão de carcinoma de células escamosas da laringe: uma trajetória de tratamento com pembrolizumabe

Dr. Marcos Aurélio Fonseca Magalhães Filho
CRM-PB 9.418
Oncologista Clínico da Beneficência Portuguesa de São Paulo – Câncer de Pulmão e Tumores de Cabeça e Pescoço
INTRODUÇÃO
O carcinoma de células escamosas (CEC) da laringe é uma forma prevalente de câncer de cabeça e pescoço, apresentando diversas abordagens terapêuticas disponíveis.1,2 Contudo, casos de recorrência e progressão da doença representam um desafio na prática clínica, muitas vezes requerendo mudanças terapêuticas.3 Este relato aborda a trajetória clínica de um paciente com recorrência e subsequente progressão de CEC da laringe tratado com várias abordagens, incluindo pembrolizumabe, uma droga imunomoduladora.
PERFIL
Idade: 78 anos.
Sexo: masculino.
COMORBIDADES
Hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes melito tipo 2, dislipidemia, doença cardíaca isquêmica, doença renal crônica (DRC), esteatose hepática, síndrome metabólica, tabagismo (cessado em 2010).
HISTÓRIA
ANAMNESE
- Sintomas prodrômicos: o paciente, em 2013, começou a notar alterações na sua voz, que se tornou rouca e áspera, seguidas de leve desconforto na garganta. Essas manifestações iniciais eram intermitentes e não acompanhadas de dor significativa, o que levou o paciente a desconsiderá-las durante os primeiros meses.
- Primeira consulta e diagnóstico inicial: após perceber que as alterações na voz persistiam e começaram a afetar sua qualidade de vida, procurou atendimento médico. A avaliação inicial incluiu laringoscopia, que revelou uma lesão na glote e corda vocal esquerda. Uma biópsia confirmou o diagnóstico de CEC.
- Evolução da doença até a primeira recorrência: após o tratamento inicial em 2013 com radioterapia de intensidade modulada (IMRT) e cisplatina, o paciente evoluiu bem e permaneceu sem sintomas até 2018. Não houve disfagia, odinofagia, ou qualquer outro sintoma significativo durante esse período.
- Sintomas de recorrência: em 2018, o paciente voltou a notar alterações na sua voz e surgimento de uma sensação de corpo estranho na garganta. Apareceram também episódios de disfagia leve, motivando nova consulta e avaliação.
- Sintomas associados a metástases: em 2020, o paciente relatou episódios de tosse seca e uma sensação vaga de desconforto torácico. Esses sintomas coincidiram com a identificação de uma massa pulmonar em exames de imagem.
- Sintomas pós-terapia: durante o tratamento subsequente, incluindo terapia com pembrolizumabe, o paciente não relatou eventos adversos significativos, como neuropatias ou eventos autoimunes graves. Entretanto, notou um ligeiro aumento na fadiga e diminuição no apetite, comuns em regimes de quimioterapia e imunoterapia.
EXAME FÍSICO
- Estado geral: o paciente apresenta-se consciente, orientado, colaborativo e em estado nutricional adequado. ECOG 1.
- Sinais vitais: pressão arterial: 130/85 mmHg, frequência cardíaca: 80 bpm, temperatura: 37°C, saturação de oxigênio em ar ambiente: 98%.
- Cabeça e pescoço: sem adenomegalias palpáveis, cicatriz de traqueostomia bem cicatrizada, sem sinais de inflamação, laringectomia total e cicatriz de tireoidectomia parcial sem alterações visíveis ou palpáveis.
EXAMES COMPLEMENTARES
N/A
CONDUTA
- Tratamento inicial (2013) – Modalidade: radioterapia com intensidade modulada (IMRT) (33 sessões) e quimioterapia concomitante com cisplatina (CDDP) 100 mg/m2 a cada 21 dias (3 ciclos). Desfecho: resposta completa inicial, com 5 anos sem evidência de doença até 2018.
- Recorrência local e tratamento cirúrgico (2018) – Modalidade: laringectomia total, esvaziamento cervical radical bilateral, tireoidectomia parcial esquerda. Quimioterapia adjuvante: CDDP 40 mg/m2 semanal, de 07/11/2018 a 12/12/2018. Estadiamento patológico: pT4a pN1.
- Progressão pulmonar (2020) – Diagnóstico: biópsia da massa pulmonar confirmou CEC (Figura 1). Tratamento: carboplatina AUC 5 + paclitaxel 175 mg/m2 + pembrolizumabe 200 mg a cada 21 dias (4 ciclos) iniciados em agosto de 2020. Avaliação de resposta 9 meses após início do tratamento demonstrando resposta completa (Figura 2). Manutenção: mudança para pembrolizumabe 400 mg a cada 6 semanas (q6w) até fevereiro de 2022, quando ocorre nova progressão pulmonar (Figura 3).
- Inclusão em estudo clínico e progressão (2022). Tratamento: monalizumabe/placebo 750 mg IV + cetuximabe 400 mg/m2 IV, de 03/05/2022 a 21/06/2022. Desfecho: progressão da doença em junho de 2022.
- Mudança de linha de tratamento (2022–2023), primeira tentativa: docetaxel (interrompido após 4 ciclos devido a toxicidade) em setembro de 2022. Segunda tentativa: 5-fluorouracil (5-FU); progressão em julho de 2023.
- Desfecho final: cuidados paliativos exclusivos. Óbito em setembro de 2023.
EVOLUÇÃO

Arquivo pessoal do autor.
Figura 1. Tomografia por emissão de pósitrons combinada com tomografia computadorizada (PET-CT) antes do KEYNOTE-048 em 21/07/2020

Arquivo pessoal do autor.
Figura 2. Avaliação de resposta em 08/03/2021 X PET de 21/07/2020.

Arquivo pessoal do autor.
Figura 3. Progressão de doença em 04/04/2022 X tomografia de 08/03/2021
DISCUSSÃO CLÍNICA
ESCOLHA DO TRATAMENTO
O uso do pembrolizumabe como agente de primeira linha foi uma escolha razoável, baseada nas recomendações do estudo KEYNOTE-048. Esse estudo randomizado de fase III demonstrou que o pembrolizumabe, tanto como monoterapia quanto em combinação com quimioterapia, ofereceu benefícios significativos em termos de sobrevida global em comparação com a terapia-padrão (cetuximabe mais quimioterapia) para o carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço recorrente ou metastático.4
No entanto, o estudo KEYNOTE-048 também delineou certos critérios para os quais o pembrolizumabe mostrou maior perfil de eficácia, incluindo uma alta expressão de PD-L1 no microambiente tumoral. Este fator pode ser crucial para determinar a resposta ao tratamento e deveria idealmente ser avaliado antes do início da imunoterapia.4,5
EVOLUÇÃO DA DOENÇA E RESISTÊNCIA À IMUNOTERAPIA
O paciente inicialmente respondeu bem ao pembrolizumabe, mas depois experimentou progressão da doença, o que é um exemplo de resistência adquirida.5 A resistência adquirida à imunoterapia é uma área de pesquisa intensiva e pode ocorrer de várias formas:5
- Evasão imunológica: mutações somáticas podem levar à perda de antígenos tumorais que são alvos para células T.
- Alterações no microambiente: o microambiente tumoral pode tornar-se imunossupressor ao longo do tempo, incluindo o aumento da expressão de outros checkpoints inibitórios, como LAG-3 ou TIM-3.
- Vias de sinalização intracelulares: mutações em genes reguladores, como PTEN, que regula a via PI3K, podem contribuir para a resistência.
- Heterogeneidade tumoral: o tumor pode evoluir para subpopulações heterogêneas, algumas das quais podem ser resistentes à imunoterapia.
- Fatores imunológicos do hospedeiro: polimorfismos genéticos em citocinas ou receptores de citocinas podem afetar a eficácia da imunoterapia.5
Para pacientes como o caso discutido, a progressão após resposta inicial ao pembrolizumabe pode exigir uma reavaliação da estratégia terapêutica. Isso pode incluir a realização de novas biópsias para análise genômica, exames de imagem para avaliar a progressão da doença e potencialmente mudar para outros regimes terapêuticos.
CONCLUSÃO
A resistência à imunoterapia é um problema clínico significativo que requer uma abordagem multimodal para sua resolução. A seleção do tratamento deve ser fundamentada em uma compreensão abrangente do perfil molecular do tumor, do microambiente tumoral e do sistema imunológico do hospedeiro. Estratégias futuras podem incluir a mudança para outros agentes imunoterápicos, a inclusão de terapias-alvo com base em características genômicas específicas do tumor ou a entrada em ensaios clínicos que estão explorando novas combinações de tratamento.2,3,5
REFERÊNCIAS
- Johnson DE, Burtness B, Leemans CR, Lui VWY, Bauman JE, Grandis JR. Head and neck squamous cell carcinoma. Nat Rev Dis Primers. 2020;6(1):92.
- Verro B, Saraniti C, Carlisi D, Chiesa-Estomba C, Maniaci A, Lechien JR, et al. Biomarkers in Laryngeal Squamous Cell Carcinoma: The Literature Review. Cancers (Basel). 2023;15(20):5096.
- Hashemi-Sadraei N, Sikora AG, Brizel DM. Immunotherapy and checkpoint inhibitors in recurrent and metastatic head and neck cancer. Am Soc Clin Oncol Educ Book. 2016;35:e277-82.
- Harrington KJ, Burtness B, Greil R, Soulières D, Tahara M, de Castro G Jr, et al. Pembrolizumab with or without chemotherapy in recurrent or metastatic head and neck squamous cell carcinoma: updated results of the phase III KEYNOTE-048 study. J Clin Oncol. 2023;41(4):790-802.
- Dos Santos LV, Abrahão CM, William WN Jr. Overcoming resistance to immune checkpoint inhibitors in head and neck squamous cell carcinomas. Front Oncol. 2021;11:596290.

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