Caso clínico: paciente com CRC MSI-H

Dra. Maria Ignez Braghiroli

Dra. Maria Ignez Braghiroli
CRM-SP 128.231

Formação em Oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP); Advanced Fellow em Oncologia Gastrointestinal no Memorial Sloan Kettering Cancer Center’s-New York (MSKCC-NY); Médica Oncologista da Rede D´Or em São Paulo e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo

IMUNOTERAPIA COM PEMBROLIZUMABE NO TRATAMENTO DE CÂNCER COLORRETAL MSI-H

Introdução

O câncer colorretal (CCR) é a terceira neoplasia maligna mais frequente tanto em homens quanto em mulheres no Brasil, conforme estimativa do Instituto Nacional de Câncer (INCA) para cada ano do triênio de 2023 a 2025.1 Globalmente, no ano de 2020, o CCR foi considerado a terceira neoplasia mais frequente considerando homens e mulheres, após os cânceres de mama e pulmão.2

Percebo que, de forma geral, a oncologia vem caminhando para entendimento do perfil molecular das neoplasias malignas e como estas alterações podem influenciar no tratamento individualizado e independente do seu local de origem. Especificamente para o CCR é considerada boa prática a análise de algumas alterações, como a pesquisa de mutação do BRAF, KRAS e NRAS para todos com doença avançada.3 Além disso, a análise da expressão de enzimas de reparo/pesquisa da instabilidade de microssatélites se mostrou importante tanto no contexto de doença localizada quanto avançada.4

Durante a divisão celular, a ausência ou perda de função de reparo do DNA por inativação das enzimas que exercem esta função resultado em instabilidade de microssatélite – MSI.5

Caso clínico

Adenocarcinoma mucinoso de cólon pT4 pN0 pM1b com dois implantes peritoneais.

Paciente do sexo masculino, 60 anos de idade, antecedente pessoal de apendicectomia por apendicite 1 ano antes da sua consulta inicial (2016), com patologia descrevendo apendicite aguda, e hipertensão em tratamento há 5 anos com uso de 5 classes de medicamentos. A história oncológica familiar era positiva com a irmã que teve câncer de pulmão aos 55 anos de idade, era tabagista.

Em 2017, notou surgimento de abaulamento e sinais de deiscência em topografia de ferida operatória com piora progressiva. Referiu ter realizado exames de imagem onde não foram descritas alterações. Dois meses após, um ultrassom visualizou uma imagem heterogênea no subcutâneo do abdome infraumbilical medindo 35x30x37 mm.

Em outubro de 2017, foi submetido a colectomia direita com exérese de tumor abdominal. Na patologia estava descrito um adenocarcinoma moderadamente diferenciado em topografia de ceco, válvula ileocecal e íleo terminal medindo 5 cm no maior eixo. Presença de infiltração neoplásica até peritônio visceral. Diferenciação mucinosa em 40% da neoplasia. Invasão angiolinfática e perineural não detectadas. Linfonodos peri-intestinais livres de neoplasia (0/17). Margens de ressecção proximal e distal livres.

No tumor da parede abdominal: adenocarcinoma com componente mucinoso infiltrando tecido conjuntivo adiposo – estadiamento pT4a pN0 pM1b.

Com esse resultado, foi encaminhado ao nosso centro de tratamento, onde solicitamos novo estadiamento e revisão de lâminas. Nessa revisão, as enzimas de reparo eram deficientes: MSH2 negativo e MSH6 negativo.

Nos exames de imagem: tecido com densidade de partes moles e discreto realce pelo meio de contraste ao longo da cicatriz cirúrgica na parede abdominal hipogástrica direita, com contornos suavemente lobulados, medindo cerca de 6,5×4,0x3,5 cm. Outra lesão sólida, essa com centro hipoatenuante (liquefação e/ou necrose) no flanco do mesmo lado, medindo 3,5×3,0x2,5 cm.

Frente a esses resultados, foi oferecido ao paciente o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) do estudo Keynote-177. O paciente decidiu pela sua participação. Foi randomizado para imunoterapia que iniciou em fevereiro de 2018 com pembrolizumabe 200 mg a cada 3 semanas, conforme previsto.

Na sua história médica, já possuía proteinúria G1 evidenciada nos seus exames de base. Poucos meses após o início do tratamento, o paciente referia fadiga G1 oscilando com G2, sem limitações para atividades diárias e mantendo-se independente. Também, apresentou tenossinovite em mãos G1, intermitente, tratada com sintomáticos. Após 6 meses de tratamento, evoluiu com hematúria e piora da proteinúria, além de leve aumento da creatinina. Após avaliação da nefrologia, foi realizada biópsia renal que revelou glomerulonefrite membranoproliferativa e imunofluorescência (IF) com imunoglobulina G (IgG) 1+ e traços de C1q/C3. A investigação de autoimunidade foi negativa, exceto por fator reumatoide levemente aumentado, vírus da hepatite C (HCV)/vírus da imunodeficiência (HIV) negativos e complemento normal. Frente a esses achados, consideramos o evento relacionado à imunoterapia. Recebeu corticoide 0,5 mg/kg que levou à remissão das alterações do sedimento urinário, sendo retomado tratamento.

Após 16 meses do início do tratamento, veio à consulta referindo múltiplos episódios de diarreia ao dia, de início recente. Foi submetido a investigação com exames de fezes que mostraram positividade para Schistosoma mansoni (24 ovos/g de fezes) e Blastocystis spp. Encaminhado para infectologia que iniciou tratamento com praziquantel e nitazoxanida.

O tratamento foi completado em junho de 2020, após um total de 35 ciclos. Desde então, o paciente mantém seguimento clínico regular, sem sinais radiológicos ou sintomas sugestivos de doença ativa. A evolução das imagens, assim como do marcador tumoral (Tabela 1), está descrita a seguir (Figuras 1 a 4).

Tabela 1. Evolução do marcador tumoral CEA ao longo do tratamento e acompanhamento do paciente

02/201823,56 ng/mL
09/201815,67 ng/mL
10/201817,22 ng/mL
12/201848,13 ng/mL
02/201917,89 ng/mL
04/201915,43 ng/mL
10/201914,06 ng/mL
03/20203,87 ng/mL
07/20204,53 ng/mL
03/20214,08 ng/mL
03/20232,5 ng/mL

Arquivo pessoal da autora.

Imagem de tomografia do implante secundário em parede abdominal em fevereiro de 2018.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 1. Imagem de tomografia do implante secundário em parede abdominal em fevereiro de 2018.

Imagem de tomografia do implante secundário em parede abdominal em junho de 2018.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 2. Imagem de tomografia do implante secundário em parede abdominal em junho de 2018.

Imagem de tomografia do implante secundário em parede abdominal em abril de 2019.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 3. Imagem de tomografia do implante secundário em parede abdominal em abril de 2019.

Imagem de tomografia do implante secundário em parede abdominal em outubro de 2023.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 4. Imagem de tomografia do implante secundário em parede abdominal em outubro de 2023.

Discussão

O perfil de pacientes com deficiência de enzimas do reparo (dMMR)/alto nível de instabilidade de microssatélites (MSI-H, do inglês high level of microsatellite instability) envolve o acúmulo de uma alta carga mutacional com abundantes neoantígenos derivados de mutação que favorecem ação de linfócitos infiltrantes tumorais (TILs).6 O diagnóstico pode ser feito através da imuno-histoquímica (IHQ) ou análise por reação em cadeia da polimerase (PCR) dos microssatélites. Indiretamente a presença de um perfil mutacional alto também pode ser um indicativo de MSI-H.7

A imunoterapia se mostrou muito ativa nesse contexto, inclusive com respostas prolongadas após a suspensão do tratamento. Diversos estudos de fase II e séries de casos demonstraram a atividade dessa classe de medicações mesmo em pacientes com doença previamente politratada.8-15 No entanto, o único estudo de fase III e que avalia o tratamento de primeira linha publicado até o momento é o Keynote-177.16 Este estudo incluiu 307 pacientes com câncer colorretal avançado dMMR/MSI-H que iriam iniciar a primeira linha de tratamento e foram randomizados para receber pembrolizumabe ou quimioterapia convencional à base de fluoruracila com ou sem bevacizumabe ou cetuximabe. Neste estudo, o crossover era permitido. A análise dos dados mostrou que o grupo tratado com imunoterapia teve melhor sobrevida livre de progressão (SLP) com medianas de 16,5 vs. 8,2 meses, maior taxa de resposta (43,8% vs. 33,1%) e maior duração de resposta (83% dos pacientes que responderam ao pembrolizumabe mantiveram resposta em 24 meses).16

O perfil de efeitos colaterais relacionados ao tratamento foi mais favorável com a imunoterapia quando comparado à quimioterapia. Na análise final de sobrevida, houve uma tendência de benefício para o uso de pembrolizumabe, não significativa, mas possivelmente influenciada pelo fato de que 60% dos pacientes tratados com quimioterapia inicialmente receberam imunoterapia em algum ponto do seu tratamento subsequente.17 Com base nesses resultados, o pembrolizumabe foi aprovado como opção de primeira linha para essa população de pacientes com câncer colorretal metastásico.18 É importante ressaltar que mais pacientes apresentaram progressão de doença como sua melhor resposta (29,4% vs. 12,3%) e, por esse motivo, a monitorização cautelosa dos pacientes é recomendada especialmente para aqueles com maior volume de doença ou condições limítrofes.16

Neste caso clínico, alguns aspectos merecem destaque. Primeiro, o paciente hipertenso, fazia uso de mais de um anti-hipertensivo e ainda assim não apresentava um bom controle pressórico. Inicialmente referia um enorme receio de possíveis efeitos colaterais relacionados ao tratamento. Neste sentido, a imunoterapia demonstrou ser um tratamento menos tóxico. Ao longo dos dois anos de uso do pembrolizumabe, entretanto, houve um aumento da creatinina que levou a uma biópsia renal com intuito de entender qual a etiologia.

A despeito disso, o tratamento pôde ser continuado sem maiores prejuízos, em acompanhamento com a equipe de nefrologia. Um outro aspecto relevante deste caso clínico foi o momento que o paciente relatou múltiplos episódios de diarreia, que poderiam inicialmente ser interpretados como uma colite imunomediada; porém, a investigação revelou tratar-se de uma esquistossomose aguda, ilustrando a necessidade de seguir uma investigação diagnóstica adequada e inclusive com auxílio de outras especialidades médicas.

O paciente completou os 24 meses de tratamento e segue em observação expectante até o momento, sem sinais radiológicos ou clínicos sugestivos de doença ativa com resposta parcial mantida. Nos questionamos sobre o benefício de seguir com abordagens mais invasivas a fim de obter melhor entendimento quanto a viabilidade de doença, mas a literatura parece direcionar para uma abordagem mais expectante considerando que na maioria dos casos não há doença viável.19,20

Por fim, o uso de imunoterapia neste contexto é hoje muito bem consolidado, mas ainda com alguns questionamentos como a identificação de pacientes primariamente refratários, o benefício de combinação com a quimioterapia ou mesmo combinação com drogas anti-CTLA4 e identificação de mecanismos de resistência. A investigação do uso de imunoterapia em tumores colorretais com dMMR/MSI-H vem caminhando para momentos mais precoces da doença como tumores localizados em cólon19,21,22 e em reto, e este é um capítulo ainda em construção.20

Referências

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