Caso Clínico – Câncer de orofaringe metastático
Caso clínico
Câncer de orofaringe metastático
Dra. Larissa de Alencastro Curado
CRM-GO 26.208
Médica pela Faculdade de Medicina de Petrópolis (Unifase); Oncologista Clínica do Grupo de Oncologia IHG; Residência de Oncologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
INTRODUÇÃO
O carcinoma espinocelular (CEC) é uma neoplasia maligna de origem epitelial mais recorrente em região de cabeça e pescoço, e ocorre predominantemente em homens com mais de 50 anos de idade.1 Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o número estimado de casos novos de câncer da cavidade oral para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 15.100 casos, correspondendo ao risco estimado de 6,99 por 100 mil habitantes. O câncer da cavidade oral ocupa a oitava posição entre os tipos de câncer mais frequentes. Em homens, estimam-se na Região Centro-Oeste 8,14 casos por 100 mil. No Brasil, em 2020, ocorreram 6.192 óbitos por câncer da cavidade oral, correspondendo a um risco de morte de 2,92 por 100 mil habitantes.2
Em razão da heterogeneidade desses tumores, os fatores de risco diferem segundo sua localização. Os principais fatores de risco para o câncer bucal e parte dos tumores de orofaringe são o tabagismo e o etilismo. Uma fração dos tumores de orofaringe é relacionada à infecção pelo HPV, com influência também no prognóstico. A estratégia de detecção precoce para o câncer de boca recomendada no Brasil é o diagnóstico precoce das lesões suspeitas.2 Descreve-se o caso em um paciente do sexo masculino, não tabagista nem etilista, tratado com imunoterapia isolada em primeira linha.
PERFIL
Idade: 65 anos.
Sexo: masculino.
COMORBIDADES
Sem comorbidades prévias. Nunca recebeu vacina contra HPV.
HISTÓRIA
ANAMNESE
- Paciente notou lesão na lateral da língua, à direita, em janeiro de 2021, com crescimento lento.
- Atendimento inicial com otorrinolaringologista; encaminhamento ao cirurgião de cabeça e pescoço.
- Submetido a esvaziamento cervical direito e glossectomia parcial em 30/07/2021; estágio pT3N0.
- Pós-cirurgia, encaminhado para radioterapia adjuvante.
- Radioterapia de intensidade modulada (IMRT) de 21/09/2021 a 03/11/2021; dosagens de 54 Gy na língua/drenagem e 50 Gy na fossa supraclavicular.
- Após radioterapia: emagrecimento, disfagia a sólidos, radiodermite G2.
- Em dezembro/2021: sintomas de dor torácica, dispneia e tosse intensa.
- Atendimento no pronto-socorro em dezembro de 2021; tomografia indicou múltiplos nódulos pulmonares.
- Recomendação para consulta com oncologista clínico.
- Primeira consulta com oncologista em 06/01/2022; solicitados tomografia por emissão de pósitrons combinada com tomografia computadorizada (PET-CT), biópsia de nódulo pulmonar e teste PD-L1.
EXAME FÍSICO
ECOG PS 3, peso 59 kg, saturação O2: 92%-94%, emagrecido, hipocorado 1 +, desidratado 1+, radiodermite G2 em pescoço. Murmúrio vesicular universalmente audível (MVAU) com sibilos esparsos.
EXAMES COMPLEMENTARES
Histopatológico 11/08/2021: glossectomia parcial: carcinoma de células escamosas invasor, moderadamente diferenciado. Tipo histológico: usual com ceratinização. Tamanho da lesão: 5,5 x 4,5 cm. Profundidade da invasão: 2,3 cm. Desmoplasia do estroma: acentuado. Infiltrado inflamatório: escasso. Angioneuroinvasão: não detectada. Margem cirúrgica livre.
Esvaziamento cervical: um segmento de tecido fibroadiposo, de forma irregular, coloração parda-acastanhada, consistência fibroelástica, medindo 8,0 x 5,0 x 3,0 cm, presença de glândula medindo 3,0 x 3,0 x 2,8 cm. Foram isolados 19 linfonodos, de coloração parda-acastanhada, consistência firme elástica, medindo o maior 1,0 cm e o menor 0,4 cm. Margem cirúrgica livre.
Imuno-histoquímica: perfil imuno-histoquímico associado aos achados morfológicos compatível com carcinoma de células escamosas, invasor, P16 negativo.
PET-CT 19/01/2022: lesões hipermetabólicas nos pulmões, com densidades de partes moles e algumas escavadas; assim como lesão nodular hipermetabólica no músculo periescapular supraespinhal direito, nódulo radioconcentrante na pleura esquerda ao nível do recesso costopleural, e lesão focal hipermetabólica no osso ilíaco esquerdo, sendo estes aspectos de imagem fortemente sugestivos de proliferação neoplásica, a depender de correlação com dados histológicos (Figura 1). PD-L1 20/01/2022: CPS = 30.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 1. Primeiro PET.
CONDUTA
- Iniciado pembrolizumabe em 27/01/2022*.
- Hipotireoidismo imunomediado diagnosticado em 15/08/2022.
*A escolha do tratamento e a produção desse material é de total responsabilidade do autor.
EVOLUÇÃO
PET-CT 15/04/2022: evolutivamente houve surgimento de lesão nodular relatada no aspecto lateral direito da orofaringe. Houve redução das dimensões das lesões pulmonares previamente observadas, algumas com regressão metabólica completa, assim como outras com regressão metabólica parcial, conforme critério RECIST, comparativamente ao estudo anterior; embora com surgimento de alguns novos nódulos pulmonares no presente exame.
Regressão metabólica e das dimensões da pequena lesão nodular outrora descrita no aspecto inferior-lateral da pleura esquerda ao nível do recesso costopleural, sem representação nas imagens do presente estudo. Redução das dimensões dos linfonodos observados na projeção hilar direita do mediastino, outrora contíguos à lesão que anteriormente estendia-se até o hilo pulmonar, assim como significativa redução da atividade metabólica conforme critério RECIST.
Regressão metabólica completa da lesão focal anteriormente relatada no osso ilíaco esquerdo, outrora sem representação tomográfica, e no presente estudo com aspecto osteolítico e não radioconcentrante, correspondente a neoplasia em contexto de seguimento terapêutico. Em contrapartida, houve surgimento de lesões ósseas focais hipermetabólicas no ísquio direito e ilíaco direito (Figura 2).
Paciente evoluiu com melhora clínica importante de imagem. Apresentou oligoprogressão óssea, tratada com radiocirurgia 01/06/2022 a 06/06/2022 3x 9 Gy (ísquio e ilíaco direito). Encaminhado ao cirurgião de cabeça e pescoço e biópsia de orofaringe, negativa para malignidade.
PET-CT 06/08/2022: redução das dimensões e da atividade metabólica nos nódulos pulmonares previamente observados; porém com surgimento de alguns outros nódulos no lobo superior do pulmão direito. Redução das dimensões dos linfonodos relatados na projeção hilar direita do mediastino, assim como redução da atividade metabólica. Aumento das dimensões de algumas das lesões ósseas relatadas à custa de processo de conversão esclerótica, algumas lesões com regressão metabólica completa, assim como outras com regressão metabólica parcial (Figura 2).
PET-CT 11/11/2022: padrões evolutivos variados dos nódulos previamente observados nos pulmões, conforme acima pormenorizado, e surgimento de alguns novos nódulos pulmonares. Evolução praticamente estável das dimensões e da discreta radioconcentração nos linfonodos relatados no hilo pulmonar direito. Evolução praticamente estável das dimensões, morfologia e número de lesões previamente observadas no esqueleto, algumas mantendo tênue radioconcentração inespecífica de permeio. Considerada pseudoprogressão, e optado por seguir tratamento (Figura 3).
PET-CT 14/03/2023: houve predominante redução das dimensões e da atividade metabólica dos nódulos previamente observados nos pulmões, conforme critérios RECIST e PERCIST. Evolução praticamente estável das dimensões dos linfonodos relatados no hilo pulmonar direito, com evolução estável da discreta radioconcentração previamente observada. Evolução estável das lesões osteoescleróticas previamente observadas no esqueleto, com evolução estável da discreta radioconcentração previamente observada em algumas destas lesões (Figura 3).
PET-CT 28/06/2023: padrões evolutivos variados dos nódulos previamente observados, alguns com regressão das suas dimensões, assim como outros estáveis, comparativamente ao estudo anterior, com surgimento de alguns novos nódulos no presente estudo e notadamente no lobo superior direito. Regressão da tênue radioconcentração outrora observada em alguns pequenos linfonodos previamente relatados na projeção hilar direita do mediastino, não radioconcentrantes no presente estudo (Figura 4).
PET-CT 27/12/2023: padrões evolutivos variados dos nódulos pulmonares previamente observados, alguns com regressão das suas dimensões assim como outros estáveis, com regressão completa da tênue radioconcentração outrora observada em alguns destes nódulos, comparativamente ao estudo anterior. Evolução estável dos aspectos tomográficos das lesões osteoescleróticas relatadas no esqueleto, com regressão da tênue radioconcentração outrora observada em algumas lesões, comparativamente ao estudo anterior (Figura 5).
Paciente realizou imunoterapia até 02/01/2024, tratamento suspenso porque completou os dois anos de tratamento. Última consulta 14/03/2024, paciente sem queixas, ECOG PS 0, seguirá em vigilância ativa.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 2. Surgimento de lesões ósseas.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 3. Evolução do PET-CT em cinco meses.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 4. Regressão da radioconcentração.

Arquivo pessoal da autora.
Figura 5. Evolução estável dos aspectos tomográficos das lesões osteoescleróticas.
DISCUSSÃO CLÍNICA
O prognóstico de pacientes com câncer de células escamosas de cabeça e pescoço recorrente ou metastático é geralmente ruim. A sobrevida média na maioria das séries é de 6 a 15 meses, dependendo de fatores relacionados ao paciente e à doença.3
Na prática clínica, a maioria dos pacientes com diagnóstico de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço apresenta doença limitada locorregionalmente (de T1-2N0M0 a T4N3M0), e apenas 10% deles sofrem de metástases a distância. Mesmo com os recentes avanços na cirurgia e na radiação, no entanto, um subconjunto de pacientes acabará por sofrer progressão da doença.4
Um estadiamento com exames de imagem apropriados é recomendado para todos os pacientes recém-diagnosticados com câncer de cabeça e pescoço, com atenção especial à disseminação regional de linfonodos. Pacientes com tumores localmente avançados podem se beneficiar de uma investigação mais extensa, incluindo uma tomografia computadorizada (TC) de tórax de triagem.5
O risco de um segundo câncer nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço chega a 36%.6 As segundas neoplasias malignas mais comuns relacionadas ao tabagismo são: câncer de pulmão de células não pequenas, 45%, e câncer de esôfago, 10%. É importante ressaltar que o diagnóstico de uma segunda malignidade tem impacto adverso substancial na sobrevida e na segunda.6,7 O tratamento do câncer de cabeça e pescoço é uma abordagem multidisciplinar com o objetivo de maximizar a sobrevivência com preservação da forma e da função.8
No caso clínico apresentado, o paciente inicialmente não passou por consulta com oncologista clínico, nem realizou exames de estadiamento, evidenciando a realidade e a dificuldade da existência de multidisciplinaridade mesmo em grandes centros. O paciente, mesmo possuindo convênio, não conseguiu realizar a biópsia pulmonar solicitada, pois o convênio alegou que não havia nenhum médico credenciado, outra dificuldade comumente vivenciada na prática clínica. Por não ter tomografia de tórax no estadiamento, não podemos saber se o paciente já era metastático no diagnóstico.
Para o tratamento dos pacientes metastáticos em primeira linha, a combinação de pembrolizumabe (inibidor PD-1) mais quimioterapia à base de platina mostrou melhora da sobrevida global (SG) quando comparado a cetuximabe mais quimioterapia.9-12 Para aqueles com alta expressão de PD-L1, o pembrolizumabe como agente único também melhora a SG, em comparação com cetuximabe mais quimioterapia, com menos toxicidade.10
As respostas ao pembrolizumabe, isoladamente ou em combinação com quimioterapia, são mais duradouras do que aquelas observadas com cetuximabe mais quimioterapia. No estudo KEYNOTE-048, em uma análise post hoc por subgrupo CPS, com acompanhamento médio de aproximadamente 45 meses,11 no grupo de imunoterapia isolada, foi observada melhora da SG em pacientes com combined positive score (CPS) > 20 (mediana 15 vs. 11 meses, HR 0,61, IC 95% 0,46-0,81) e menos eventos adversos grau 3 (17% vs. 69%) relacionados ao tratamento.11
No caso clínico descrito, a escolha de um tratamento pouco tóxico era fundamental, visto que o paciente não apresentava bom performance status, principalmente devido a efeitos colaterais da radioterapia adjuvante recentemente realizada.
Paciente evoluiu com ótima tolerância, apenas relatado hipotireoidismo imunomediado, facilmente manejado com início de levotiroxina. Apresentou também grande melhora clínica, ganho de 13 kg, resolução completa de dor e tosse, sendo possível voltar às suas atividades laborais. Paciente em acompanhamento regular, última consulta de seguimento em março de 2024.
CONCLUSÃO
O caso clínico apresentado mostra as dificuldades no tratamento do câncer de cabeça e pescoço, a importância da discussão multidisciplinar, e a necessidade de tratamento eficaz e pouco tóxico nesses pacientes.
REFERÊNCIAS
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- Instituto Nacional de Câncer (Brasil). Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil/Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro: INCA, 2022. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//estimativa-2023.pdf. Acesso em: mar. 2023.
- Pontes F, Garcia AR, Domingues I, João Sousa M, Felix R, Amorim C, et al. Survival predictors and outcomes of patients with recurrent and/or metastatic head and neck cancer treated with chemotherapy plus cetuximab as first-line therapy: A real-world retrospective study. Cancer Treat Res Commun. 2021;27:100375.
- Ionna F, Bossi P, Guida A, Alberti A, Muto P, Salzano G, et al. Recurrent/Metastatic Squamous Cell Carcinoma of the Head and Neck: A Big and Intriguing Challenge Which May Be Resolved by Integrated Treatments Combining Locoregional and Systemic Therapies. Cancers (Basel). 2021;13(10):2371.
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- Burtness B, Rischin D, Greil R, Soulières D, Tahara M, de Castro G Jr, et al. Pembrolizumab Alone or With Chemotherapy for Recurrent/Metastatic Head and Neck Squamous Cell Carcinoma in KEYNOTE-048: Subgroup Analysis by Programmed Death Ligand-1 Combined Positive Score. J Clin Oncol. 2022;40(21):2321-32.
- Harrington KJ, Burtness B, Greil R, Soulières D, Tahara M, de Castro G Jr, et al. Pembrolizumab With or Without Chemotherapy in Recurrent or Metastatic Head and Neck Squamous Cell Carcinoma: Updated Results of the Phase III KEYNOTE-048 Study. J Clin Oncol. 2023;41(4):790-802.
- Yu Y, Zakeri K, Sherman EJ, Lee NY. Association of Low and Intermediate Combined Positive Scores With Outcomes of Treatment With Pembrolizumab in Patients With Recurrent and Metastatic Head and Neck Squamous Cell Carcinoma: Secondary Analysis of Keynote 048. JAMA Oncol. 2022;8(8):1216-8.

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