Artigo comentado: tratamento de paciente com Câncer de Colorretal

Dra. Maria Ignez Braghiroli

Comentado por:

Dra. Maria Ignez Braghiroli
CRM-SP 128.231

Formação em Oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP); Advanced Fellow em Oncologia Gastrointestinal no Memorial Sloan Kettering Cancer Center’s-New York (MSKCC-NY); Médica Oncologista da Rede D´Or em São Paulo e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo

ACOMPANHAMENTO DE 5 ANOS DO ESTUDO RANDOMIZADO DE FASE III DO KEYNOTE-177
ARTIGO COMENTADO

Shiu K, André T, Kim TW, Jensen BV, Jensen LH, Punt CJA, et al. Pembrolizumab versus chemotherapy in microsatellite instability-high (MSI-H)/mismatch repair-deficient (dMMR) metastatic colorectal cancer (mCRC): 5-year follow-up of the randomized phase III KEYNOTE-177 study. Annal of Oncology. 2023;34(2):S1271-S1272.1

A oncologia clínica passou por uma revolução na última década. Em diversas situações em que tumores malignos tinham poucas ou mínimas perspectivas de tratamento, passamos a conhecer mecanismos de funcionamento molecular das células tumorais de forma que os tratamentos passaram a ser mais efetivos. No caso do câncer de pulmão, por exemplo, o conhecimento de diferentes vias moleculares permite o tratamento de forma mais individualizada e com resultados muito superiores quando comparado ao tratamento que oferecíamos previamente independentemente dessas alterações.2-4

O melanoma é outro exemplo de situação em que houve um grande avanço na perspectiva de controle de doença com o uso de terapias-alvo e imunoterapia.5 No passado, os pacientes contavam com a quimioterapia e, em raras exceções, terapias voltadas para a ativação do sistema imune como forma de combater a doença, enquanto hoje dispomos de drogas menos tóxicas e com expectativa muito superior em termos de taxas de resposta e controle de doença no longo prazo.2,4

O câncer colorretal ocupa a terceira posição entre os tipos de câncer mais frequentes no Brasil, de acordo com estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA) para o triênio de 2023 a 2025, levando a um risco estimado de 21,10 casos por 100 mil habitantes. Também de acordo com o INCA, em termos de mortalidade no Brasil, em 2020, ocorreram 20.245 óbitos por câncer de cólon e reto. Do ponto de vista global, para o ano de 2020, foram mais de 1,9 milhão de casos novos de câncer de cólon e reto (10,0%), correspondendo ao terceiro tumor mais incidente entre todos os cânceres.6

Para essa doença, também aprendemos sobre as alterações moleculares e terapias personalizadas. Inicialmente, o entendimento era de que as mutações do KRAS, NRAS e BRAF prediziam resistência a terapias antirreceptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) e mais recentemente o desenvolvimento de drogas para esses alvos específicos.7-9 Importamos o conhecimento da terapia voltada para a amplificação do HER-2 desenvolvido com o câncer de mama e estômago, e aplicamos para aproximadamente de 3% a 5% dos pacientes com câncer colorretal que também apresentam essa mesma característica.10

Finalmente, aprendemos com o uso dos inibidores de checkpoint que existe uma parcela das neoplasias malignas que são altamente responsivas à resposta imune adaptativa endógena.11 Neste caso, ao bloquear a interação de ligantes e seus receptores em células efetoras, uma resposta robusta e duradoura pode ser obtida.12 Esses achados embasaram a teoria de que o nosso sistema imune poderia ser capaz de atuar contra tumores malignos através do reconhecimento de antígenos específicos.11,12

As características determinantes de quais doenças e quais indivíduos são os excelentes respondedores aos inibidores de checkpoints ainda são alvo de pesquisas e diferem a depender do contexto. No entanto, diversos marcadores são utilizados e investigados como a expressão de PD-L1, assinaturas genéticas, carga mutacional, infiltrado inflamatório/linfocitário e neoantígenos produzidos por células tumorais.13

O conhecimento de um subtipo de câncer colorretal deficiente de enzimas de reparo e que apresentavam alta carga mutacional já está estabelecido há ao menos 30 anos e suas características clínico-patológicas foram descritas em diversas publicações.14-17 Esse conhecimento levou à condução de um pequeno estudo de fase II focado em 11 pacientes com câncer colorretal no qual foi demonstrado que o bloqueio anti-PD-1 era um tratamento efetivo em pacientes com esta característica.17

A partir daí, múltiplos trabalhos reproduziram esses achados não somente nos tumores de origem em cólon e reto, mas incluindo outros primários também deficientes de enzimas de reparo, fornecendo mais evidência para a correlação da alta carga mutacional tumoral e resposta a inibidores de checkpoint.18,19

O uso da imunoterapia ficou bem documentado para esse subgrupo de pacientes que envolve 5% dos adenocarcinomas colorretais metastáticos,20,21 baseado inicialmente em múltiplos estudos envolvendo inibidores de PD-1 em monoterapia ou em combinação com droga anti-CTLA-4, para pacientes previamente tratados com quimioterapia.22,23 Nesse contexto, as taxas de resposta com uso de monoterapia (pembrolizumabe ou nivolumabe) foram em torno de 31%-53%, mas com quase 90% de controle de doença, comparado a nenhuma resposta nos tumores proficientes (reparo de incompatibilidade proficiente [pMMR]).19,21,24

A combinação de anti-PD-1 e anti-CTLA-4 (nivolumabe e ipilimumabe) demonstrou taxa de resposta em torno de 65%, com 13% de respostas completas e mediana de duração de resposta não atingida. As taxas de sobrevida livre de progressão (SLP) e sobrevida global (SG) em 4 anos foram 53% e 71%, respectivamente.21

O primeiro estudo de fase III neste cenário foi o KEYNOTE-177, apresentado na sessão plenária do encontro da American Society of Clinical Oncology (ASCO) em 2020 e conduzido em 192 sites acadêmicos e hospitais incluindo 23 paises.21 Nesse estudo foram incluídos 307 pacientes com câncer colorretal metastático alto em instabilidade de microssatélites (MSI-H) ou dMMR randomizados para receber tratamento com pembrolizumabe por até dois anos ou escolha do investigador entre seis diferentes combinações de quimioterapia + anticorpo monoclonal. O desfecho primário foi SLP e SG e desfechos secundários foram taxa de resposta e segurança. Após seguimento de 12 e 24 meses, a SLP foi de 55,3% e 48,3%, respectivamente, para pembrolizumabe vs. 37,3% e 18,6% com quimioterapia. A taxa de resposta foi superior para o uso de imunoterapia: 43,8% vs. 33,1%, assim como o número de pacientes que apresentaram resposta radiológica completa: 11% vs. 3,9%. Dos pacientes que responderam, naqueles tratados com imunoterapia, 83% mantinham resposta por mais de dois anos comparado a 35% que responderam à quimioterapia.21

Em relação aos efeitos colaterais, os eventos adversos de grau 3 ou mais foram menos frequentes com o uso de imunoterapia 22% vs. 66%.21 Por outro lado, eventos imunomediados foram mais frequentes em quem recebeu pembrolizumabe, sendo os mais frequentes colite e hepatite.22 Do perfil de eventos adversos com a quimioterapia, os mais frequentemente relacionados foram diarreia, neutropenia, fadiga, náusea, vômito, estomatite, alopecia e neurotoxicidade.21

A sobrevida global também era um desfecho primário nesse estudo, e na sua primeira publicação não foi observada diferença entre os dois grupos. É importante ressaltar que o cruzamento do braço de quimioterapia para imunoterapia era permitido após progressão, e fora do estudo uma porcentagem dos pacientes que receberam quimioterapia foram tratados com inibidores de checkpoint em linhas subsequentes, de forma que 59% dos pacientes receberam imunoterapia após a primeira linha com quimioterapia. Também, em termos de progressão de doença na avaliação inicial, as taxas de refratariedade foram superiores no grupo tratado com imunoterapia (29,4% vs. 12,3%).25,26

Após o seguimento mediano de 44,5 meses, a SG dos pacientes tratados com pembrolizumabe não havia sido atingida vs. 36,7% no grupo tratado com quimioterapia (razão de risco [RR] 0,74; IC 95% 0,53-1,03; p = 0,036). Estatisticamente, a superioridade da imunoterapia não foi demonstrada de acordo com o cálculo previsto para significância estatística. A SLP foi de 16,5 meses para o grupo tratado com pembrolizumabe versus 8,2 meses para o grupo que recebeu quimioterapia.22

Mais recentemente, no encontro da European Society for Medical Oncology (ESMO) de 2023, os dados de seguimento mais prolongado de cinco anos (mediana de 73,3 meses) foram apresentados. Com esse tempo de acompanhamento, 100% dos pacientes incluídos no braço de quimioterapia havia descontinuado o tratamento, sendo o motivo a progressão de doença em 60,8%, ao passo que 61,4% descontinuaram no braço do pembrolizumabe, 32,7% devido à progressão de doença. Dos pacientes que inicialmente receberam quimioterapia, 37% atingiram critérios preestabelecidos de crossover e foram então tratados com imunoterapia e mais 25,3% receberam uma terapia anti-PD-1/L1 fora do protocolo. A sobrevida mediana foi de 77,5 meses no grupo que foi tratado com pembrolizumabe versus 36,7 meses no grupo tratado com quimioterapia. A mediana de duração de resposta foi 75,4 meses e 10,6 meses no grupo pembrolizumabe e quimio, respectivamente.1

De forma geral, o estudo KEYNOTE-177 nos oferece evidência robusta do benefício da imunoterapia em pacientes com câncer colorretal metastático que apresentam MSI-H ou dMMR. Esse tratamento tem a perspectiva de proporcionar respostas duradouras, nunca antes observadas com essa frequência nos pacientes com doença avançada tratados com quimioterapia isoladamente. Esse tratamento com imunoterapia foi também associado a uma menor toxicidade. Entretanto, alguns pontos merecem atenção, como a necessidade e identificação daqueles que são primariamente refratários à imunoterapia. Seria este grupo composto, em parte, por pacientes que verdadeiramente não possuem dMMR, e/ou também, a qualidade dos neoantígenos produzidos podem implicar na resposta ao tratamento25,27,28 e, ainda, pacientes que podem apresentar pseudoprogressão à imunoterapia e ter tido o pembrolizumabe suspenso precocemente? São questionamentos que ainda carecem de uma resposta definitiva.

Por fim, múltiplos estudos de fase III1,22 estão em andamento neste cenário investigando o uso de terapias imunes combinadas ou a combinação quimio-imunoterapia. Investiga-se também possíveis mecanismos de resistência à imunoterapia e o papel de outros alvos nesta complexa interação entre célula tumoral e sistema imune. Além disso, outros marcadores preditivos de resposta que selecionem de forma confiável os pacientes respondedores são necessários.

De forma geral, reconhecemos que para este subgrupo de pacientes se abriu uma nova perspectiva de tratamento com uma esperança real de controle de doença a longo prazo que deve ser investigada universalmente, dada a importante implicação no planejamento terapêutico.

Referências

  1. Shiu K, André T, Kim TW, Jensen BV, Jensen LH, Punt CJA, et al. Pembrolizumab versus chemotherapy in microsatellite instability-high (MSI-H)/mismatch repair-deficient (dMMR) metastatic colorectal cancer (mCRC): 5-year follow-up of the randomized phase III KEYNOTE-177 study. Annal of Oncology. 2023;34(2):S1271-S1272.
  2. Dasari K, Somarelli JA, Kumar S, Townsend JP. The somatic molecular evolution of cancer: Mutation, selection, and epistasis. Prog Biophys Mol Biol. 2021;165:56-65.
  3. Klein G, Klein E. Evolution of tumours and the impact of molecular oncology. Nature. 1985;315(6016):190-5.
  4. Ciriello G, Magnani L, Aitken SJ, Akkari L, Behjati S, Hanahan D, et al. Cancer Evolution: A Multifaceted Affair. Cancer Discov. 2024;14(1):36-48.
  5. Curti BD, Faries MB. Recent Advances in the Treatment of Melanoma. N Engl J Med. 2021;384(23):2229-40.
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  7. Schrock AB, Lee JK, Sandhu J, Madison R, Cho-Phan C, Snider JW, et al. RAS Amplification as a Negative Predictor of Benefit from Anti-EGFRContaining Therapy Regimens in Metastatic Colorectal Cancer. Oncologist. 2021;26(6):469-75.
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  10. Ahcene Djaballah S, Daniel F, Milani A, Ricagno G, Lonardi S. HER2 in Colorectal Cancer: The Long and Winding Road from Negative Predictive Factor to Positive Actionable Target. Am Soc Clin Oncol Educ Book. 2022;42:1-14.
  11. Topalian SL, Drake CG, Pardoll DM. Immune checkpoint blockade: a common denominator approach to cancer therapy. Cancer Cell. 2015;27(4):450-61.
  12. Tumeh PC, Harview CL, Yearley JH, Shintaku IP, Taylor EJ, Robert L, et al. PD-1 blockade induces responses by inhibiting adaptive immune resistance. Nature. 2014;515(7528):568-71.
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