Caso clínico – Carcinoma de células escamosas de orofaringe recidivado – resposta completa
Caso clínico
Carcinoma de células escamosas de orofaringe recidivado – resposta completa

Dra. Aline de Souza Rosa da Silva
CRM-SC 16.868
Oncologista Clínica do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Centro Médico Unimed, Complexo Médico Provida, Clínica Multimed; Chefe do Serviço Unacon HNSC em Tubarão SC
INTRODUÇÃO
O câncer de cabeça e pescoço compreende o conjunto de neoplasias da região cavidade oral, orofaringe, laringe e rinofaringe, sendo na maioria dos casos de histologia escamosa.1,2 O câncer de boca é o quinto tumor mais frequente em homens no Brasil.3 O tabaco e o álcool são os principais fatores de risco para o câncer de boca. Outros fatores como a dieta pobre em frutas e vegetais, a infecção pelo papiloma vírus humano (HPV) e a exposição dos lábios ao sol sem proteção também aumentam o risco.2,4 O tratamento cirúrgico com intenção curativa deve ser instituído sempre que possível, mas em minha prática clínica, muitos pacientes procuram o atendimento médico em estágios avançados, por desinformação, desconsideração dos sintomas ou falta de exames de rotina.5 Mesmo após ressecção completa, recidivas locorregionais são frequentes e tratamentos definitivos ou adjuvantes com radioterapia associada a quimioterapia podem ser necessários.2 Para pacientes com doença metastática ou sem possibilidade de tratamento local completo, a primeira linha de tratamento consistia em quimioterapia convencional com fluorouracil + agente platinante, mas a média de sobrevida global (SG) girava em torno de 10 meses.6,7 O desenvolvimento de novas modalidades terapêuticas como a imunoterapia tem modificado este cenário.7
PERFIL
Idade: 80 anos.
Sexo: feminino.
COMORBIDADES
Paciente com cardiopatia isquêmica, dislipidemia e hipotireoidismo, submetida previamente a cirurgia de revascularização miocárdica e stent coronariano. Em uso de propatilnitrato 10 mg, atorvastatina 40 mg, pantoprazol 20 mg, bisoprolol 2,5 mg, candesartana 8 mg, clopidogrel 75 mg, ácido acetilsalicílico (AAS) 100 mg, levotiroxina 88 mcg e ezetimiba 10 mg.
HISTÓRIA
ANAMNESE
- Abril de 2020
primeira lesão e ressecção:- Lesão inicial: ulcerada na mucosa do lábio inferior, de
crescimento rápido. - Procedimento: ressecção da lesão.
- Diagnóstico anatomopatológico: carcinoma de células
escamosas (CEC) com margens livres. - Manteve segmento com cirurgião de cabeça e pescoço.
- Lesão inicial: ulcerada na mucosa do lábio inferior, de
- Novembro de 2020
recidiva e nova ressecção:- Ocorrência de recidiva local.
- Procedimento: ressecção pela técnica de Mohs, com ressecção completa.
- Outubro de 2021
novas lesões:- Surgimento de lesão no palato e recidiva da lesão labial, ambas de rápida evolução.
- Biópsia: confirmação de carcinoma escamoso.
- Novembro de 2021
ressecção da lesão palatina:- Diagnóstico anatomopatológico: CEC de 3 cm com margens livres no palato e carcinoma in situ residual no lábio.
- Maio de 2022
surgimento de adenopatia cervical e linfadenectomia:- Percepção de adenopatia cervical.
- 02 de Junho de 2022
- Linfadenectomia cervical esquerda: diagnóstico anatomopatológico: metástase de carcinoma em massa de linfonodos fusionados com extensão extracapsular (3,5 x 2,5 x 1,9 cm).
- Imuno-histoquímica: carcinoma de células escamosas HPV negativo.
- Paciente encaminhada para quimioterapia + radioterapia adjuvante, mas quando iniciou tratamento já apresentava recidiva local.
EXAME FÍSICO
- MEG, nível de consciência (LOC), desidratada.
- Pressão arterial (PA) 120/80; frequência cardíaca (Fc) 100.
- Ausculta cardíaca com ritmo regular em 2 tempos, bulhas normofonéticas (ACv RR2T BNF).
- Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular universalmente distribuído, sem ruídos (Ap MVUD sem R).
- Abdome: RHA+ sem defesa.
- Edema facial, extensa lesão ulcerada na região submandibular à esquerda, ultrapassando linha média, indo posteriormente além do lóbulo da orelha e inferiormente até região base do pescoço, com secreção purulenta associada e forte odor.
IMAGENS


EXAMES COMPLEMENTARES
- Tomografia de tórax 08/09/22
- Tênues opacidades centrolobulares no segmento basal lateral do lobo inferior direito (inflamatório).
- Pequeno granuloma lobo inferior esquerdo.
- Linfonodomegalias paratraqueal esquerda, a maior 19×14 mm.
- Tomografia de pescoço 08/09/22
- Lesão ulcerada no tecido subcutâneo na região submandibular à esquerda 56×24 mm compatível com lesão recidivante.
- Múltiplas lesões nodulares no subcutâneo da região cervical anterior e lateral à esquerda e na parótida deste mesmo lado, sendo a maior submentoniana de 20×16 mm.
- Linfonodomegalia jugular interna à direita 13×10 mm.
CONDUTA
Paciente iniciou radioterapia concomitante à quimioterapia com cisplatina semanal em agosto de 2022 em outro serviço. Apresentou intensa toxicidade após ciclo 2 com pancitopenia (HB 8,7, HT 27, leucócitos 1.000, segmentados 180 e plaquetas de 82 mil) além de mucosite grau IV, com necessidade de internação para hidratação EV. Optaram por suspender o tratamento. Como a paciente estava em piora clínica progressiva e aumento exponencial da lesão, ela foi encaminhada para minha avaliação em setembro de 2022. Solicitei pesquisa PD-L1, cujo resultado revelou CPS > 20. Enquanto aguardava resultado do PD-L1, a paciente foi internada para ajuste da analgesia, sintomáticos, transfusão de duas unidades de concentrado de hemácias, hidratação e antibióticos EV. Devido à grande dificuldade de ingesta alimentar por via oral, foi discutido com a paciente o uso de sonda nasoenteral (SNE) ou gastrostomia, mas ela não aceitou. Frente ao resultado do CPS e debilidade da paciente, foi iniciada imunoterapia com pembrolizumabe monodroga 400 mg EV a cada 6 semanas.
EVOLUÇÃO
Após 2 semanas do ciclo 1 a paciente conseguiu receber alta, já passando a aceitar alimentação via oral, com dor controlada, performance 2 e percebendo nítida melhora da lesão ulcerada cervical. Após o ciclo 3 já apresentava resposta clínica completa na lesão cervical, que foi confirmada nas tomografias, persistindo apenas linfonodo paratraqueal com resposta parcial. Em outubro de 2023 a paciente realizou o décimo ciclo de pembrolizumabe e seguiu com resposta clínica completa, tendo recuperado plenamente a autonomia, voltando a realizar suas atividades diárias normalmente. Apresentou pequena limitação do movimento cervical por fibrose, que está melhorando com fisioterapia. Apresentou como efeito colateral após ciclo 4 apenas oscilação do nível de TSH, sendo acompanhada pela endocrinologia, sem necessidade de ajuste da dose da levotiroxina já utilizada previamente.

DISCUSSÃO CLÍNICA
A paciente apresentou-se como um caso atípico de carcinoma de cabeça e pescoço, visto ser mulher e sem nenhum fator de risco conhecido para esta neoplasia e desde a apresentação inicial com quadro desfavorável devido à múltiplas recidivas precoces. Para condução do caso acima foi de extrema importância a realização de pesquisa de PD-L1, uma vez que com o resultado CPS acima de 20 foi possível indicar tratamento com pembrolizumabe monodroga aos moldes do estudo KEYNOTE-048. O estudo mostrou que neste grupo de pacientes o pembrolizumabe isolado elevou a SG de 10,7 para 14,9 meses, quando comparado ao cetuximabe com quimioterapia (HR 0,61 [IC 95% 0,45-0,83], p = 0,0007).7 O uso da imunoterapia isolada foi associado a menor taxa de eventos adversos e de resposta objetiva, o que era uma grande preocupação neste caso, uma vez que a paciente necessitava de taxa de resposta para controle de sintomas, mas devido às reações adversas ao esquema quimioterápico previamente utilizado e às condições clínicas da paciente não era factível associar quimioterapia naquele momento.
CONCLUSÃO
Paciente evoluiu de forma muito favorável com uso de pembrolizumabe, com
ótima resposta clínica e nos exames de imagem e assim como no perfil de
efeitos adversos, tendo em pouco de tempo de tratamento atingido resposta
completa, recuperando funcionalidade e qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
- Chin D, Boyle GM, Porceddu S, Theile DR, Parsons PG, Coman WB. Head and neck cancer: past, present and future. Expert Rev Anticancer Ther. 2006 Jul;6(7):1111-8.
- Dewan AK, Dabas SK, Pradhan T, et al. Squamous cell carcinoma of the superior gingivobuccal sulcus: an 11-year institutional experience of 203 cases. Jpn J Clin Oncol. 2014;44(9):807-11.
- Brasil. Ministério da Saúde. 27/7 – Dia Mundial de Conscientização e combate ao Câncer de Cabeça e Pescoço. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/27-7-dia-mundial-de-conscientizacao-e-combate-ao-cancer-de-cabeca-e-pescoco/#:~:text=Os%20tumores%20malignos%20de%20cabe%C3%A7a,mortes%20por%20ano%20no%20pa%C3%ADs. Acesso em: abr. 2024.
- Brasil. Ministério da Saúde do Brasil. Câncer de boca. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/tipos/boca. Acesso em: nov. 2023.
- Galbiatti ALS, Paldovani-Junior JA, Maniglia JV, Rodrigues CDS, PAvarino EC, Goloni-Bertollo EM. Câncer de cabeça e pescoço: causas, prevençao e tratamento. Braz. j. otorhinolaryngol. 79(2).2013.
- Vermorken JB, Mesia R, Rivera F, et al. Platinum-based chemotherapy plus cetuximab in head and neck cancer. N Engl J Med. 2008;359(11):1116-27.
- Burtness B, Harrington KJ, Greil R, et al. Pembrolizumab alone or with chemotherapy versus cetuximab with chemotherapy for recurrent or metastatic squamous cell carcinoma of the head and neck (KEYNOTE-048): a randomised, open-label, phase 3 study. Lancet. 2019;394(10212):1915-28.

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